Confesso,
fui enganado. Talvez pela inocência ou imaturidade, embora acredite que muita
gente boa e velha de guerra tenha caído na mesma armadilha que caí.
Do Justificando
Ingressei
no curso de Direito em 2011 quando a AP470 ainda era uma recém-nascida e
Joaquim Barbosa não havia sido alçado à condição de Presidente do Supremo. À
época fiquei deslumbrado com as disciplinas iniciais do curso e com as
possibilidades de efetivação de evolução social através do Judiciário.
Encantavam-me as aulas de Teoria da Constituição ministradas por um senhor já
octogenário, que falava das Constituições passadas com experiência própria.
Testemunha viva dos anos de chumbo, explicava minuciosamente incisos do artigo
5º, dando as razões de ser e os fundamentos de cada um deles. Dizia o Professor
Gaspar: “A Constituição é um conjunto de garantias contra o Estado.” Como me
impressionavam tais palavras! Posteriormente, vim a saber através de renomados
doutrinadores que a nossa CF é considerada a mais democrática do mundo. Tudo
parecia estar andando nos trilhos.
Na
prática o cenário também era favorável. Programas sociais a pleno vapor,
redução drástica da pobreza, diminuição das desigualdades, país saindo do mapa
da fome, tudo de acordo com as previsões do art. 3º da CF.
Com
a evolução no curso, o deslumbre e o encantamento foram se esvaindo. É natural
paixão que a paixão diminua com o passar do tempo, mas o cenário atípico
pós-2013 colaborou com a desilusão. Conheci o chamado ativismo judicial e
percebi que o Judiciário que deveria ser o último dique de contenção dos 3
poderes, conforme previsão do art. 2º da CF, assumia posição protagonista
tentado a tomar os lemes das decisões políticas do país.
Vi
que através de chicanes hermenêuticas o STF fazia paulatinamente as vezes de
Legislativo e Executivo. E o pior, tudo com o aval da população, influenciados
pela mídia, e dos demais membro do Judiciário que aplaudiam de pé
interpretações bizarras como a dada ao domínio do fato na AP470, refutada pelo
próprio autor da teoria quando do Seminário IBCCrim em 2014.
O
STF que durante o início década de 70 era o bastião que resguardava liberdades
individuais e recebiam e deferiam pleitos de Dalmo Dallari, Sobral Pinto e
Técio Lins e Silva, passou a desconsiderar princípio da insignificância,
chancelar condenação de pequenos traficantes, culminando no deferimento do
início de cumprimento de pena em 2ª instância, contradizendo totalmente o texto
constitucional. Por sua vez, o Ministério Público que por lei deveria assumir o
papel de fiscal da Ordem Jurídica passou a atuar como parte que busca a
condenação a todo e qualquer preço. 300 mil, 500 mil, 700 mil presos! O céu é o
limite para a sanha punitivista.
Sob
a hipócrita promessa de desfazer o jargão popular de que ‘no Brasil só pobres
vão presos’, apareceu, por fim, um juiz salvador da pátria. Mesmo em primeira
instância porta-se como um arauto da ordem com a missão de moralizar o país
erradicando toda e qualquer corrupção a partir da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Obtendo
o diploma no fim de 2015, me vi – como o Desembargador Carreira Alvim na sua
obra Hurricane – no olho do furacão, no meio do momento político mais
conturbado dos últimos anos. Era tarde demais para voltar atrás e já me
encontrava dentro de uma instituição que optou por buscar objetivos
diametralmente opostos aos anunciados na Constituição Federal. Penso como deve ter sido angustiante a vida e
a carreira de militares que não partilhavam dos interesses das forças armadas
durante os anos 60 e 70. Perseguições internas, ostracismo, advertências e
punições aos mais liberais. Exatamente como está ocorrendo com a ditadura do
Judiciário atualmente. O caso da juíza Kenarik Boujikian é prova recente disso.
Mais de 20 anos de TJSP e punida unicamente por fazer cumprir a lei.
E
o estado d’arte do Judiciário não surgiu do dia para a noite. Esse monstro da
ditadura do ativismo do ativismo judicial foi alimentado diuturnamente pelos
meios de comunicação formadores de opinião, habilidosos em convencer as massas.
Todavia, o problema de se alimentar um monstro é que as coisas podem fugir do
controle e ele acabar te engolindo. Os frutos mais podres dessa semeadura estão
começando a aparecer, tendo sido recentemente a Folha de SP censurada dentro de
um suposto Estado Democrático de Direito com uma Constituição Federal pós-ADPF
130. Talvez esteja na hora da Velhinha de Taubaté voltar a estampar os
editoriais.
As
possibilidades de atuação profissional dentro da área de formação vão se
afunilando. Os Magistrados que não quiserem ser punidos devem obedecer as
diretrizes conservadoras dos Tribunais. O Ministério Público é repleto de
membros dotados de filosofia punitivista, como denunciou Roberto Tardelli em
corajosa e recente entrevista.
Advogados
são humilhados dia após dia nos balcões por serventuários e em gabinetes por
Magistrados que fingem desconhecer o EOAB. E a Defensoria Pública que num mundo
doce e colorido deveria ser composta de membros com ideais libertários tem hoje
mais de 60% de seus defensores desejando porte de armas e cerca de 3%
defendendo a pena de morte. O Judiciário
vai mal. E não vislumbro caminho de volta.
Restava
até semana passada a possibilidade de fuga da instituição ingressando na
docência, porém diante das acusações de plágio e divulgação em veículo oficial
de titulação inexistente dentro da mais antiga e tradicional instituição de
ensino de Direito do país, essa possibilidade mostrou-se também como mero sonho
pueril. Sabe-se lá quais as improbidades praticadas nos critérios de seleção e
admissão nos programas de pós-graduação. Seria uma boa pauta para investigação
pelo MP, se não estivessem tão ocupados denunciando microtraficantes.
O
cenário é desolador e não vislumbro por ora qualquer saída. Se há um consolo, é
saber que não sou o primeiro e nem estou sozinho nessa. Divido minhas náuseas
Sartreanas com cartas de Salo de Carvalho e Roberto Tardelli. Partilhar
angústias com tais nomes dá ao menos o alento da impressão de se estar trilhando
o caminho certo.
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Foto: STF/ Justificando. |
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