Entre
os montes da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, pequenas casas formam uma vila
humilde com estrada de chão, campinho de futebol e casas sem reboco. O Sítio
Histórico Kalunga, que tem território nas cidades de Cavalcante, Monte Alegre e
Teresina de Goiás, fica a, aproximadamente, 540 km da capital goiana.
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Imagem capturada do vídeo abaixo. |
Resquício
dos quilombos, o povoado de descendentes dos escravos negros Kalunga é uma das
comunidades que teve sua história preservada pela demarcação dos territórios
remanescentes de quilombolas pelo governo federal.
Nos
últimos dez anos, foram regularizados mais 96 mil hectares de território
histórico quilombola – o equivalente a 96 mil campos de futebol, ou quase três
vezes a área da cidade de Belo Horizonte. Os títulos expedidos beneficiaram
4.605 famílias em 75 comunidades diferentes.
Desde
2003, pelo Decreto nº 4.887, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio
do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), tem a
responsabilidade de identificar, delimitar, demarcar e titular este tipo de
território.
O
Incra é responsável por fazer estudos antropológicos, delimitação de áreas e
abrir espaço para contestações de interessados. Caso o território se encontre
em terras particulares, o decreto da Presidência da República declara a área
como de interesse social e os particulares são indenizados. De 2011 a 2015,
foram 32 decretos de desapropriação de 88,2 mil hectares, favorecendo mais de
quatro mil famílias.
Diretor
de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, Richard Torsiano observa que a
política de demarcação pelo governo brasileiro é relativamente nova, mas já tem
bons resultados. “Além de ser recente, é
uma das políticas mais complexas do ponto de vista da garantia de direito
territorial no Brasil. Se considerarmos isso, fizemos muitos avanços”, diz.
Para
Torsiano, o Estado brasileiro tem uma dívida histórica com essa população e,
agora, com as demarcações de terra, começa a repará-la. “Todos nós sabemos que os ancestrais desses povos foram as pessoas que
carregaram o desenvolvimento do País em todo o processo de colonização – e
carregam até hoje. Nada mais justo do que garantir o direito histórico à terra
dessas comunidades.”
“Lutamos
por isso há muito tempo”
Em
sua casa em Cavalcante, o presidente da Associação Quilombola Kalunga no
município goiano, Paulo Coutinho de Deus, enxerga os títulos como uma vitória.
“Temos fazendas que já foram pagas e
entregues à Associação para o nosso uso comunitário. Lutamos por isso há muito
tempo.”
Mas
é Sirilo dos Santos Rosa, de 61 anos, conhecido em Kalunga como Seu Sirilo,
quem melhor define como a regularização das terras é importante para a
comunidade. “O título é um porta voz para
que nós possamos ter confiança de que a terra é nossa. É de grande importância.
A gente não quer terra para comercializar, mas para trabalhar, plantar, morar,
criar”, diz.
Ele
explica que toda a terra da comunidade é de uso coletivo justamente para manter
o caráter histórico. “Nós descobrimos muitos direitos nos últimos anos e
corremos atrás para resgatar nosso território. É uma terra que não tem direito
à venda, é para o uso de todo mundo e garantia para as futuras gerações.”
Atualmente,
a comunidade tem um território titulado, mas ainda há regiões em processo de
regularização, como o Povoado do Engenho II, onde Seu Sirilo é líder
comunitário. Os moradores estimam que, com os títulos dos outros 10 mil
hectares que ainda restam para regularizar, cerca de 1.200 famílias terão
direito às terras remanescentes de quilombolas.
Entenda a regularização de terras
quilombolas
O
processo de regularização fundiária das comunidades quilombolas é dividido em
cinco etapas. Em primeiro lugar, as comunidades com certificado de
autodeclaração da Fundação Cultural Palmares, órgão vinculado ao Ministério da
Cultura, abrem o processo em uma das 30 superintendências regionais do Incra
espalhados pelo País – dessas, 27 possuem, atualmente, demandas para demarcação
de territórios quilombolas.
O
segundo passo é o estudo antropológico da região, que identifica e caracteriza
a relação histórica e étnica da comunidade com aquela localidade. Os estudos
são feitos pelo Incra e identificam e delimitam o tamanho do território e são
compilados no Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), com
levantamentos fundiários, cadastro das famílias e levantamento cartográfico.
“Não
é um processo de simples desapropriação, como se fosse um processo de esbulho
promovido pelo Estado. O que há é um reconhecimento de uma dívida histórica do
Estado brasileiro, sendo reparada nesse momento, para garantir direito a essas
comunidades.”
Na
terceira etapa, há um prazo para recebimento de eventuais contestações de
interessados particulares ou outros órgãos governamentais a serem recebidas
pelo próprio Instituto. Depois de analisadas, se forem improcedentes, a
presidência do Incra publica portaria reconhecendo e declarando os limites do
território quilombola.
Caso
a terra delimitada tenha algum território particular, a Presidência da
República decreta as terras como sendo de interesse social, na penúltima etapa
do processo. O Incra é responsável por avaliar o terreno e as benfeitorias para
posterior indenização.
"Como estamos lidando com reconhecimento de
direito, temos que garantir o direito do contraditório e de ampla defesa. Nesta
etapa, os proprietários podem contestar na justiça e apresentar sua defesa",
explica o diretor.
A
última etapa da regularização das terras é a emissão do título. O título é
coletivo e em nome das associações que legalmente representam as comunidades
quilombolas.
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