“O problema com estereótipos não é que eles
sejam falsos, mas sim que eles são incompletos. Eles fazem com que uma história
se torne a única história”, diz Chimamanda Ngozi Adichie em sua palestra no
TED Talks, The danger of a single story. Nessa palestra, a escritora nigeriana
fala sobre a recepção dos seus romances e a surpresa de alguns leitores ao se
depararem com a diversidade multicultural e multiétnica na Nigéria e na África
em geral: a África não se resume apenas a miséria e pobreza. Chimamanda escreve
sobre sua realidade, aliás, as diversas realidades presentes na Nigéria, suas
tribos, tradições, hábitos e costumes. Pessoas ricas e pobres, boas e más,
pessoas solidárias e pessoas que lucram com a guerra.
![]() |
Ngozi Adichie. |
Meio
Sol Amarelo, segundo romance da autora, tem como pano de fundo a guerra civil
da Nigéria: alguns anos após a sua independência, em 1960, a região do sudeste
da Nigéria, dominada pela etnia igbo, clamou pela separação do seu território,
instaurando, em 1967, a República de Biafra. Lembremos que o território da
Nigéria foi colonizado e “desenhado” de maneira arbitrária pelos europeus, de
modo que as diversas tribos etnicamente diferentes que ali viviam (yorubás,
hauçás, igbos etc) passaram a fazer parte de um mesmo país, juntamente com os
seus conflitos culturais e religiosos – conflitos estes, aliás, instigados
pelos britânicos.
Voltando
ao perigo da história única, neste romance vemos a mesma história na
perspectiva de três personagens: Olanna, nigeriana de etnia igbo, tendo
crescido em um lar abastado, fez sua graduação na Inglaterra e resolve se mudar
para o sul do país, Nsukka, e lecionar sociologia na universidade, ao lado de
seu companheiro revolucionário Odenigbo. Ugwu, rapaz vindo do vilarejo, de origem
humilde, trabalha como empregado de Odenigbo e começa a ter uma visão diferente
das coisas, numa casa visitada por intelectuais, onde reinam os debates sobre o
desenvolvimento e a secessão de Biafra. Richard, jornalista inglês, decide ir
para a Nigéria para escrever um romance. Lá, se apaixona por Kainene, irmã
gêmea não-idêntica de Olanna, de personalidade forte e que frequenta os altos
círculos sociais de Lagos.
Através
do eixo Olanna-Ugwu-Richard, observamos as mudanças na Nigéria ao longo de uma década,
desde a sua independência até o fim da República de Biafra. E vemos, sim,
miséria, fome e guerras, mas também temáticas tão comuns a nós, americanos e
europeus: conflitos familiares, discórdias e traições. Um primeiro aspecto que
me chamou a atenção foi a relação de Olanna e Kainene que, apesar de irmãs
gêmeas, possuem personalidades tão diferentes e uma relação marcada por
desavenças, rivalidades e silêncio. Diante das atrocidades da guerra, uma das
irmãs chega a afirmar, ao final da narrativa: “Há certas coisas que são tão
imperdoáveis que tornam outras facilmente desculpáveis”. Outro ponto
interessante no romance é o olhar de Richard, europeu deslocado, que se sente
finalmente em casa quando a República de Biafra é instaurada em 1967: ele é
cidadão biafrense desde o início, como um recomeço. Há cena marcante em que ele
demonstra seu orgulho, a europeus como ele, de ser um cidadão biafrense e de
dominar o idioma igbo. O livro ainda discute o racismo – que será aprofundado
no romance seguinte de Chimamanda -, especialmente num belo trecho em que
Odenigbo e seus colegas discutem o fato de o homem branco ter rotulado e
dividido os negros africanos.
A
escrita de Chimamanda é clara e direta, mas também bastante poética. Além do
ponto de vista destes três personagens, a narrativa é fragmentada, indo e vindo
entre o início e o final da década de 1960. Meio Sol Amarelo foi publicado em
2006 e ganhou os prêmios Baileys Women’s Prize for Fiction, um dos prêmios mais
prestigiados de literatura na Inglaterra, o Anisfield-Wolf Book Awarde PEN Open
Book Award. O título se refere ao meio sol desenhado na bandeira da República
de Biafra. O romance foi adaptado para os cinemas em 2013 e conta com a
participação do astro de Doze anos de escravidão, Chiwetel Ejiofor, no papel de
Odenigbo. O filme também traz cenas reais da época da guerra e do presidente de
Biafra, Ojukwu.
Chimamanda
Adichie tem ainda dois outros romances publicados, Hibisco Roxo(2003) e
Americanah (2013), que também está sendo adaptado para o cinema, e um livro de
contos, The thing around your neck (2009), ainda não publicado em português.
Ela também declarou seu feminismo em uma outra palestra no TED, We should all
be feminists. Alguns trechos desse discurso estão presentes na música Flawless,
de Beyoncé, o que tem dado a Chimamanda uma certa notoriedade na América. We
should all be feminists virou um pequeno livro, cujo e-book você poderá ler
gratuitamente em português aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!