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(FOTO/ Reprodução). |
Por Alexandre Lucas, Colunista.
A
gente anda só e a revolução não se faz de forma isolada, esse provavelmente
seja o entendimento para compreender que as transformações são fruto da luta
organizada. A compreensão de coletividade, as condições objetivas e o poder
político é o que faz a revolução. Na comunidade do Gesso, no Crato, existe uma
revolução em curso?
É
preciso entender com profundidade o que vem acontecendo na comunidade na última
década, não é um simples movimento, mas um conjunto de forças e uma engenharia
social que enxerga a dimensão transversal da luta pelo direito à cidade e suas
interrelações entre o local e o global.
Entender
o significado do processo histórico de ocupação espacial e simbólica da
comunidade é um caminho para compreender o que vem ocorrendo nesta última
década. A estratificação social e espacial da Comunidade do Gesso, demarcada
pelas linhas férreas e pelo preconceito de classe e a estigmatização social são
elementos essenciais para apontar os danos estruturais na urbanização e no
acesso à cidade, bem como na autoestima coletiva e no sentimento de unidade
comunitária.
Não
é o discurso da “melhoria” que vem dando visibilidade e impulso às mudanças na
comunidade, é para além. O discurso da “melhoria” é justo e previsível, mas ao
mesmo tempo pode ser pequeno e insignificante. É outra perspectiva, baseada na
necessidade de desconstruir as relações de submissão e coitadismo e ao mesmo
tempo da construção de pontes e capilaridades para o protagonismo social.
A
comunidade do Gesso precisa ser percebida a partir do seu Território. É atuação
em rede e a dimensão territorial que vem redimensionando a capacidade política
e a construção de uma narrativa positiva de organização popular.
Em
2015, o Coletivo Camaradas idealizou e articulou uma série de organizações da
sociedade civil e do poder público para constituir o Território Criativo do
Gesso, uma experiência necessária, inovadora e dinâmica que compreende cinco
bairros da cidade do Crato, onde está inserida a comunidade. Essa dimensão de
Território coloca em outro lugar a comunidade do Gesso, ou seja, no lugar da
aproximação entre sociedade civil e poder público, do imaginário transformador
de organização popular, do reconhecimento de potencialidades e desafios e
evidencia uma radiografia mais próxima da realidade, onde são expostos os
conflitos, diálogos possíveis e as construções coletivas.
Dentro
do Território é possível mapear Pontos de Cultura, coletivos artísticos, grupos
da tradição popular, Ongs, grupos esportivos, museu comunitário, escolas,
universidade, grupos religiosos, unidades de saúde e de assistência social,
além de outros órgãos da gestão pública, o que torna esse conjunto de
organizações uma potência territorial.
É numa costura de rede que a comunidade e o Território Criativo do Gesso
vão ganhando força e visibilidade.
De
forma isolada, as organizações da sociedade civil perdem força, mas quando
atuam em rede conseguem ampliar ações, reivindicações e conquistas, é o que vem
acontecendo na comunidade do Gesso e no Território. É nesta atmosfera que o
lugar e o Território vão se conectando a outras visões de mundo e ganhando
novas dimensões e articulações.
Além
das ações realizadas em parcerias e das reivindicações constantes, alinhasse a
essa questão a produção de conteúdo para construção de uma narrativa
territorial e de lugar. São vídeos, fotografias, cartazes, textos para
imprensa, etc., que vão dando nomes e identidades para as organizações e os
sujeitos, ou seja, que vão promovendo o protagonismo popular. Essa visibilidade
significa também ocupação dos micros espaços políticos de poder, tão
necessários para o enfrentamento e o diálogo com o poder constituído.
Um
exemplo de conquista e de como a micropolítica se entrelaça a macropolítica e
vice-versa, é a Lei Aldir Blanc, fruto da luta dos movimentos sociais, de
gestores públicos e de parlamentares de diversos campos políticos, em especial
da esquerda que proporcionou ao país reduzir os impactos da pandemia na
economia da cultura descentralizando recursos públicos para estados e
municípios brasileiros. A Lei Aldir Blanc teve impacto direto na comunidade do
Gesso, no Território Criativo do Gesso e na sua interligação com o país.
Atividades
formativas, produções de documentários, apresentações artísticas, diálogos com
artistas, pesquisadores e gestores culturais de diversos estados do país,
estruturação com aquisição de equipamentos para diversas organizações que atuam
no Território Criativo do Gesso e o envolvimento da sociedade civil e do poder
público em diversos eventos demonstra a atuação em rede do Coletivo Camaradas
proporcionado pela Lei Aldir Blanc.
Com
foco na luta pelo direito à cidade, a Lei Aldir Blanc também proporcionou a
comunidade do Gesso, através do Coletivo Camaradas uma série de intervenções
urbanísticas e paisagísticas que impactam diretamente na cultura, no cuidado
coletivo, na economia local e no protagonismo das organizações e dos moradores.
O projeto urbanístico e paisagístico reforça a existência e a continuidade do
Sítio Urbano do Gesso, uma conquista comunitária que visa promover a
agricultura urbana, o Sítio Urbano é reconhecido por lei municipal. A ação
consta de construção de calçadas, escadarias, corrimão, ampliação de canteiros,
terreiros culturais e oratório e de uma série de intervenções artísticas. Essa
intervenção abre novos olhares para pensar a interface entre direito à cidade e
a cultura. É possível pensar urbanização, paisagismo, meio ambiente e cultura
de forma interligada e tendo os sujeitos e suas organizações como
protagonistas? Sim, o exemplo da Comunidade do Gesso, demonstra que é possível
inverter o holofote e promover a qualidade de vida.
É
impossível andar pela comunidade do Gesso e não perceber que existe algum tipo
de revolução.