Congresso
que saiu das urnas em 5 de outubro – e será empossado em 1º de fevereiro –
terá, como já se demonstrou, perfil mais conservador que o atual. Uma das
bancadas que cresceram, e se mostra organizada, é a dos ruralistas, com 153
deputados. A sindical caiu de 90 para 51, enquanto a empresarial tem quatro
vezes mais (217). Mas o desequilíbrio não está apenas na correlação de forças.
A diferença entre a composição da sociedade brasileira e sua representação
legislativa é gritante em todos os recortes de comparação entre os eleitos e
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Um caso é
o da representação feminina: elas são 51% da população, mas o número de
deputadas eleitas soma 10% do total, com ligeiro crescimento em relação à atual
legislatura (9%).
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Eduardo Cunha, à direita pode ser representante do reacionarismo na presidência da Câmara. |
Pretos
e pardos, conforme a classificação do IBGE, somavam 53% da população em 2013.
Dos eleitos, apenas 20% se declararam negros. Quase metade da nova Câmara terá
parlamentares com patrimônio superior a R$ 1 milhão. Pela Pnad, 60% dos
ocupados têm renda de até dois salários mínimos. Por escolaridade,
aproximadamente 80% dos eleitos têm nível superior, bem acima dos 37% dos
brasileiros com 11 anos ou mais de instrução.
“Mais importante do que ter um Congresso mais
conservador é uma situação que repete e agrava os problemas de representação do
Congresso atual”, diz o analista legislativo Sylvio Costa, criador do site
Congresso em Foco. Além da sub-representação de mulheres e negros, ele destaca
a ausência de índios. A propósito, esta é uma regra e não exceção. “Juruna foi o primeiro e último”, lembra.
Em toda a história do Parlamento brasileiro, apenas o xavante Mario Juruna
tornou-se deputado federal, eleito em 1982 pelo PDT.
No
Dia do Índio, em 19 de abril de 1983, ele discursou: “Juruna é o primeiro índio
que está representando brasileiro, porque o governo brasileiro não dá
oportunidade pra índio, porque ele quer continuar tutelar toda vida índio. E
nós não somos tutelados”. Juruna foi ousado e criticou o governo militar. O
último dos generais- -presidentes, João Figueiredo, chegou a pedir a sua
cabeça. Juruna, que não foi reeleito, morreu em 2002. Para Sylvio Costa, é
preciso repensar a suposição de que o Congresso reflete a sociedade.
É
a reflexão que faz também o deputado federal reeleito Daniel de Almeida
(PCdoB-BA), chamando atenção ainda para a pouca presença de jovens. “Não é o perfil da sociedade brasileira. Essa
eleição foi, mais do que outras, influenciada pelo poder econômico, pelo
discurso desprovido de conteúdo. Uma reforma política é absolutamente inadiável”,
afirma.
Para
Sylvio Costa, se o Congresso é muito conservador e está distante da composição
real da sociedade brasileira, aumenta a responsabilidade do governo. O
Executivo pauta o Congresso”, observa, destacando a disputa, entre os parlamentares,
pelos recursos orçamentários. “O governo tem poder imenso. Vai depender da
capacidade de articulação.”
O
analista destaca uma “perda razoável”, pelo menos 40 cadeiras, de deputados
mais identificados com a esquerda. “Isso significa um espaço menor para defesa
de temas ligados aos direitos humanos, criminalização da homofobia, por
exemplo.” Segundo ele, a maior consequência da eleição desse novo Congresso é
um “cenário potencialmente de maior
tensão”. Outro ponto é o da fragmentação. O número de partidos
representados no Parlamento aumentou de 22 para 28. Na Câmara, Costa lembra que
as cinco maiores legendas elegeram 263 deputados, enquanto as demais têm 250.
Ruralistas
Entre
as bancadas organizadas, destaca- se a ruralista, que crescerá de 142 para 153
deputados na próxima legislatura. Tem objetivos bem definidos, como a aprovação
da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que aguarda parecer em comissão
especial. A PEC transfere do Executivo para o Congresso a prerrogativa de
aprovar demarcação de terras indígenas. Esta é uma prioridade declarada da
Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que durante a
campanha eleitoral entregou carta aos principais presidenciáveis enfatizando
sua reivindicação.
Em
seminário no final do ano passado, a presidenta da entidade, a senadora
reeleita Kátia Abreu (PMDB-TO), foi explícita: “As demarcações indígenas não se concentram mais nas florestas; hoje
entram nas áreas produtivas, que são transformadas em terras indígenas”. A
instalação da comissão especial foi uma vitória da bancada ruralista.
Recentemente, a senadora também se reelegeu para a presidência da CNA. Outro
líder ruralista, Ronaldo Caiado (DEM-GO) foi eleito e passará da Câmara para o
Senado.
Apontado
como outra liderança dessa bancada, o deputado catarinense Valdir Colatto
(PMDB) também cita, em entrevista no mês passado à TV Record em seu estado, a
questão indígena como central, além dos quilombolas. “Estamos perdendo grandes investimentos. Há uma grande insegurança
jurídica no campo”, afirmou o parlamentar, além de defender mudanças na
legislação trabalhista rural.
Na
bancada empresarial, sai Sandro Mabel (PMDB-GO), que não se candidatou, após
cinco mandatos consecutivos na Câmara. Ele é o autor do Projeto de Lei 4.330, sobre
terceirização, combatido pelas centrais sindicais e cotado para voltar à pauta
ainda este ano. Um dos líderes do grupo é Laércio Oliveira (SD-SE), defensor do
projeto. O deputado é dirigente da Confederação Nacional do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo (CNC).
O
analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), acredita que Dilma Rousseff
sofrerá pressão maior dos empresários, a quem precisará fazer sinalizações, em
um cenário de provável ajuste de contas públicas – seletivo, para preservar
programas sociais e investimentos – e sem tanto a oferecer do ponto de vista de
incentivos. E isso deverá exigir maior atenção dos trabalhadores, com uma
bancada menor. “No (início do) mandato
passado, a presidenta teve de acalmar dois segmentos, a classe média e a
imprensa. Agora, precisa resgatar a confiança do mercado.”
Cartolas
Menos
numerosa, mas ativa, a chamada bancada da bola se mobiliza pela aprovação do PL
5.201, sobre renegociação de dívidas dos clubes de futebol. Na prática, é a
bancada da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), diz o jornalista José
Cruz, especializado em legislação do esporte. Ele lembra que os principais
membros do grupo foram reeleitos (casos de Vicente Cândido, do PT-SP, e de
Jovair Arantes, PTB-GO, vice-presidente do Atlético Goianiense), e ganharam
reforços.
A
CBF segue sendo uma instituição poderosa, lembra Cruz. “No tempo de Ricardo Teixeira ele chegou a colocar o ex-ministro do TCU
Marcos Vilaça como chefe de delegação para um amistoso no exterior”,
exemplifica. “Vamos saber sobre quem é
quem, dos novatos, principalmente, na votação do PL da dívida dos clubes, que dificilmente
ocorrerá este ano.”
O
jornalista lamenta que ainda seja difícil ver um cartola, ou ex-dirigente,
trabalhando pela moralização da gestão esportiva. “O dia em que o esporte em geral e o futebol em particular forem
administrados dentro de normas oficiais e rígidas, os trambiques vão
desaparecer, como as transações de jogadores, a contratação por salários
mínimos e pagamentos através do direito de imagem, de patrocinadores, de
empresas fantasmas, enfim.” E critica o Estado por ser “omisso” na
fiscalização.
E
qual será o peso do ex-jogador e deputado Romário (PSB-RJ), agora eleito
senador? “Ele fugiu à regra do tratamento
elitista ‘Vossa Excelência’. Campeão mundial, se comportou com autoridade.
Ganhou boa cobertura da mídia. Deverá moderar o tom no Senado, pois a casa é
outra, menor, de mais diálogo. E como ele tem 4,6 milhões de votos nas costas,
isso significa respeito político. Deverá ser muito assediado pelos pares”,
comenta Cruz.
Agenda
O
movimento sindical já começa a se rearticular sob a ótica de que a disputa no
Parlamento será difícil. “É verdade que o
Brasil elegeu uma presidenta progressista, mas elegeu também um Congresso
extremamente conservador. Vamos disputar agenda. Mesmo na coalizão da
presidenta Dilma, há muitos conservadores”, diz o presidente da CUT, Vagner
Freitas, que defende uma “agenda de mobilização” para pressionar Executivo e
Legislativo. “Serão quatro anos de
caravanas a Brasília.” Ele dá como exemplo a reivindicação de redução da
jornada de trabalho. “Se quisermos
diminuir a jornada, temos de forçar para que o projeto passe. Não vai ser por
uma canetada da presidenta.”
Logo
após a eleição, o deputado reeleito Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, ex-
-presidente da CUT, líder da bancada do PT na Câmara, defendeu maior
mobilização em contraponto ao avanço ao conservadorismo no Congresso. “Agora será fundamental que a sociedade ocupe
Brasília em todos os momentos”, disse à Rádio Brasil Atual.
De
volta ao Congresso, agora como senador, Paulo Rocha (PT-PA) considera essa “renovação conservadora” no Parlamento
proveniente de dois fatores: “A força do
poder econômico e uma certa degradação da politica. É preciso fazer algumas
reformas importantes, como a política, que vai ao encontro do sentimento do
povo, de combate à corrupção, que aparece mais hoje porque há mais
funcionamento das instituições.” Ex-sindicalista e ex-deputado, ele
acredita que no Senado estará “a grande trincheira” de oposição ao governo. O
senador eleito acredita na força do diálogo para que temas importantes, como
reforma tributária e a discussão sobre o papel da mídia na democracia, ganhem
repercussão na sociedade organizada.
Rocha
é o autor original da proposta de emenda à Constituição (PEC) de combate ao
trabalho escravo, em 1995, assim como de um projeto que resultou em lei que
alterou o Código Penal, caracterizando aquela prática como crime. Ele entende
que retroceder em questões relativas ao tema seria uma espécie de golpe
parlamentar. “Esses avanços nós já
conquistamos. Temos de ficar atentos e denunciar.” Em relação à proposta
sobre a demarcação de terras indígenas, ele observa que o governo e Dilma
simplesmente cumprem a Constituição. O artigo 231 confere à União a
responsabilidade de “demarcá- las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
A
parada será dura. Dois dias depois da eleição, a Câmara, com apoio de aliados,
derrubou decreto do governo sobre a política de participação social. E o PMDB
deve lançar Eduardo Cunha (RJ) – não exatamente um amigo do Executivo – como
candidato à presidência da Casa.
Via
Rede Brasil Atual