Michel
Temer continua indo aonde ninguém jamais esteve. Foi o primeiro presidente da
República a ser denunciado por crimes, em pleno exercício do mandato, pela
Procuradoria Geral da República. Insatisfeito com a façanha, foi o primeiro a
ser denunciado duas vezes.
Em
ambas as ocasiões perdoou dívidas públicas do agronegócio e de grandes
empresas, liberou emendas bilionárias, distribuiu cargos, apoiou a aprovação de
projetos que beneficiavam poucos em detrimento de muitos.
Até
tentou mudar o conceito de trabalho escravo contemporâneo – o que dificultaria
libertações de pessoas e deixaria determinados ruralistas e empresas da construção
civil muito felizes.
Agora,
é o primeiro presidente da República em exercício que tem seu sigilo bancário
quebrado. E dependendo das investigações, que tentam comprovar as suspeitas de
que ele recebeu propina para beneficiar empresas do setor portuário, ele pode
ser denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro.
Para
que ele se torne réu no Supremo Tribunal Federal, 342 deputados federais devem
aceitar a denúncia. Daí, o STF analisaria a acusação e poderia afastá-lo por
180 dias da Presidência, período em que seria julgado. Perde o cargo se for condenado.
Dificilmente,
Temer conseguiria disponibilizar mais recursos públicos para comprar os votos
dos deputados. E, além disso, a partir de agora, fica difícil até aprovar
determinadas pautas custosas sem que os eleitores percebam – e se lembrem.
Pelo
contrário, ostentando popularidade menor do que injeção de benzetacil nas
nádegas, desconfio que qualquer deputado federal que votasse hoje pelo
afastamento de Temer ganharia votos com seu eleitorado. Qualquer eleitorado.
Poderia até limpar a barra daqueles que duas vezes votaram para salvar seu
pescoço da guilhotina da Lava Jato em troca de um mimo.
Além
disso, partidos ameaçam o desembarque, ensaiam a ida para a oposição ou tomam distância de Temer, que segue
radioativo em popularidade. Pelo menos, enquanto aguarda o marketing da
intervenção federal fazer efeito no Rio e no país.
Ao
mesmo tempo, a outra perna de sustentação do atual governo, o mercado e o poder
econômico, sabe que foi perdida a janela de oportunidade para aprovar a Reforma
da Previdência devido à somatória da impopularidade do tema ao ano eleitoral.
E
como a pauta ''alternativa'' apresentada pelo ministro da Fazenda Henrique
Meirelles é uma caldeirada de projetos que já circulavam no Congresso Nacional,
temperada com privatizações, mercado e corporações também sabem que qualquer semovente,
Rodrigo Maia, inclusive, poderia tocar a pauta no pouco tempo que sobra antes
da Copa do Mundo, do São João e das eleições gerais.
Diante
de tudo isso, não é à toa que Temer trouxe as Forças Armadas para perto de si.
Antes
de entregar o comando da intervenção federal na área de segurança do Rio de
Janeiro a um general, ele já havia colocado militares em outros postos-chave,
como lembrou reportagem de Gustavo Uribe, na Folha de S.Paulo.
Temos,
agora, um general no Ministério da Defesa; um general comandando a Funai;
outro, a Secretaria Nacional de Segurança Pública; mais um na chefia de
gabinete da Casa Civil. Sem contar que ele já havia entregue o Gabinete de Segurança
Institucional a um general, devolvendo ao órgão o controle sobre a Agência
Brasileira de Inteligência (Abin). E que sancionou a lei que transfere o
julgamento de crimes cometidos por militares durante operações urbanas para a
Justiça Militar.
Ninguém
questiona a importância das Forças Armadas e o papel que elas cumprem em uma
democracia. Mas os governos civis pós-1988 distanciaram os militares da gestão
do país não apenas por traumas do passado, mas também por uma visão de
democracia próxima do voto e distante dos quartéis.
Ao
buscar neles fiadores, Temer corre o risco de jogar esse esforço no lixo. E ir
junto com ele.
O
general Hamilton Mourão, ao entrar na reserva, afirmou que é necessário que o
Poder Judiciário ''expurgue da vida pública'' Michel Temer. Certamente, ele
vocaliza muitos aposentados e da ativa.
Alguns,
como Temer, podem pensar que, cercando-se de fardas, garantem proteção contra
aqueles que querem vê-lo fora do governo.
O
problema é que gente armada até os dentes pode significar uma fortaleza. Mas
também uma masmorra. (Por Leonardo Sakamoto, em seu Blog).
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Temer participa das comemorações do Dia do Exército, em 2013. (Foto: Jorge William/ O Globo). |