Em
seu discurso de aposentadoria, nesta quarta (28), o general Antonio Hamilton
Mourão chamou de ''herói'' o açougueiro Carlos Brilhante Ustra, falecido
coronel e ex-chefe de um dos principais centros de repressão da ditadura, em São
Paulo, acusado de desaparecimentos e mortes de presos políticos.
Chegou
a ser declarado pela Justiça como responsável por casos de tortura e também
condenado a pagar indenização por conta da morte do jornalista Luiz Eduardo
Merlino. O passamento de Ustra, em liberdade no ano de 2015, é um atestado de
nossa incompetência por não termos conseguido levar esse arauto do retrocesso a
ser punido legalmente por tudo aquilo que fez.
Mourão,
agora na reserva, não foi o primeiro. Políticos, como o deputado federal Jair
Bolsonaro e o então vereador Agnaldo Timóteo, já prestaram homenagens públicas
a Brilhante Ustra.
Certamente
o finado chefe do DOI-Codi não é incensado por seus belos olhos ou pela forma
pela qual fazia um guizado de frango ou jogava tranca. Mas por usar a violência
como instrumento de ação estatal.
O
elogio a um notório torturador como Brilhante Ustra acaba sendo uma forma de
defender em público a tortura que ele próprio cometia sem o risco de ser
acusado legalmente de apologia ao crimes. Contudo, seria mais honesto e
transparente se o general tivesse a defendido abertamente, como já fez o
próprio deputado.
Durante
as sessões de tortura realizadas no 36o Distrito Policial (local que abrigou a
Oban e, posteriormente, o DOI-Codi), na capital paulista, durante a ditadura
militar, os vizinhos do bairro residencial do Paraíso reclamavam dos gritos de
dor e desespero que brotavam de lá. As reclamações cessavam com rajadas de
metralhadora disparadas para o alto, no pátio, deixando claro que aquilo
continuaria até que o sistema decidisse parar. Mas o sistema nunca para por
conta própria.
A
tortura firmava-se como arma da disputa ideológica. Era necessário ''quebrar''
a pessoa, mentalmente e fisicamente, pelo que ela era, pelo que representava e
pelo que defendia. Não era apenas um ser humano que morria a cada pancada. Era
também uma visão de mundo. Dizem que os carrascos não podem pensar muito no que
fazem sob o risco de enlouquecerem. Mas também dizem que os melhores carrascos
são os psicopatas que gostam do que fazem. E se dedicam com afinco a descobrir
novas formas de garantir o sofrimento humano. Muitos dos que fizeram o serviço
sujo para a ditadura e passaram por aquele prédio amavam sua ''profissão''.
O
Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa
Interna (DOI-Codi) era integrado por membros do Exército, Marinha, Aeronáutica
e policiais. E a metodologia desenvolvida durante esse período, junto à certeza
do ''tudo pode'', continua provocando vítimas pelas mãos do Estado nas
periferias das grandes cidades, nos grotões das regiões rural, onde a vida vale
muito pouco.
A
justificativa para tanto é a mesma usada dos Anos de Chumbo brasileiros ou nas
prisões no Iraque e em Guantánamo, em Cuba: estamos em guerra. Ninguém
explicou, contudo, que sob a justificativa de lutar contra o ''mal'', parte
daqueles que se autointitulam ''mocinhos'' tem adotado os mesmos métodos dos
bandidos. E passando a agira como facção criminosa, uma parcela do Estado deixa
de ter legitimidade de zelar por nossa segurança.
Chegamos
em um momento em que eufemismos não cabem mais. Não há meio termo entre
defender um futuro de respeito à democracia e um país autoritário, que mata e
esfola seu próprio povo. (Por Leonardo
Sakamoto, em seu Blog).
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Cena de tortura do filme "Corte Seco", com o ator Gabriel Miziara. (Foto: Reprodução/ Blog do Sakamoto). |