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Manifestação, nesta sexta (25), nas ruas de Santiago. (FOTO/Pedro Ugarte/AFP). |
A
turma que acredita que trabalhadores se alimentam de estatísticas, moram entre
as linhas de uma planilha e tomam indicadores do mercado para tratarem de
doenças está surpresa como o Chile, exemplo citado por tantos e tantos como
modelo econômico, entrou em convulsão social. Nesta sexta (25), mais de um
milhão de manifestantes foram às ruas da capital Santiago exigir educação e
saúde, melhores aposentadorias e a deposição de políticos.
Como
sugerir a um aposentado chileno que está abaixo da linha da pobreza, muito por
culpa do regime de capitalização (aquele que o Paulo Guedes quer para o Brasil)
implementado pela ditadura de Augusto Pinochet, que o seu pedido de socorro é
um equívoco, uma vez que, segundo os números do Banco Mundial, ele vive numa
ilha de prosperidade e estabilidade na América do Sul?
Como
explicar a um estudante que seu país está bem posicionado em rankings
internacionais de educação se a sala em que estuda é precária e faltam recursos
para tudo e que, apesar da possibilidade real de mobilidade social, a
perspectiva de ter um futuro segue diretamente proporcional a quanto seus pais têm
na conta bancária?
Como
convencer manifestantes que o governo chileno é sincero ao dizer que se
preocupa com sua dignidade e integridade, se vemos imagens de policiais e militares
agredindo violentamente aqueles que deveriam proteger? Isso sem contar as
denúncias de execuções sumárias e de estupros que terão que ser apuradas pela
missão enviada pelo Escritório da Alta Comissária das Nações Unidas para os
Direitos Humanos.
Até agora,
foram 19 mortes decorrentes da ação violenta de forças de segurança e de certos
manifestantes, como as que ocorreram devido a incêndios.
O
custo de transição do regime previdenciário chileno para o de capitalização foi
sendo pago por quatro décadas com recursos que seriam destinados aos serviços
públicos de educação, saúde, moradia, transporte, água, luz. Era uma ditadura,
então cabia ao povo apenas dizer sim. Hoje, as altas tarifas dos serviços,
entregues à iniciativa privada, são impagáveis para uma parte da população. A
desigualdade social é tamanha que, nesse quesito, o Chile tem sido
humilhantemente comparado ao Brasil em reportagens.
O
naco abonado da sociedade não entende o que fazer diante dessa "invasão
alienígena" – para usar a expressão empregada pela primeira-dama do Chile
para se referir aos manifestantes. Ela ainda lamentou que, consequentemente,
teria que reduzir privilégios. A ignorância sobre a vida do andar de baixo é
tamanha que o ministro da Economia, diante das reclamações pelas altas na
tarifa do transporte, estopim para a explosão social, sugeriu aos trabalhadores
que se levantassem uma hora antes para aproveitar tarifas mais baixas [fora do
horário de pico, paga-se menos pela passagem – mas dorme-se menos também].
É
impossível não fazer um paralelo com o Brasil de junho de 2013. E é não apenas
pelos 20 centavos/30 pesos de reajuste na tarifa de transportes. Ou pela
péssima reação dos governantes diante das manifestações. Ou ainda pela falta de
lideranças que respondessem pelos atos (vale lembrar que, por aqui, no começo,
eles foram puxados pelo Movimento Passe Livre, depois ganharam vida própria).
Ou pelo fato da insatisfação diante da qualidade dos serviços públicos ter
centralidade em ambos os momentos. Mas, principalmente, pela percepção por parte
dos manifestantes de que a democracia representativa tradicional, através dos
governantes de plantão e dos que vieram antes deles, ainda não foi capaz de
efetivar seu direito à dignidade.
..... O
surpreendente não é que as pessoas no Chile estejam com raiva. Mas
trabalhadores de outras partes do mundo – brasileiros inclusive – não estarem
também.
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Texto
de Leonardo Sakamoto. Clique aqui e confira na íntegra em seu Blog.
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