|
Carlos Alberto Tolovi. (FOTO/ Reprodução/ YouTube/ Papo Social Podcast). |
Em
29 de dezembro de 2018, logo após o processo eleitoral ter chegado ao fim e
colocado no poder um representante da extrema direita, o Jair Messias Bolsonaro,
o Blog Negro Nicolau (BNN) entrou em contato com o professor da Universidade Regional
do Cariri (URCA), o Dr. Carlos Alberto Tolovi.
A
entrevista foi uma das mais acessadas do Blog desde o seu lançamento em 2011 e,
por isso mesmo, resolvemos republicá-la.
Naquela
oportunidade, ressaltamos que o resultado das eleições trouxe a cena uma
questão fundamental e com ela outras tantas. Quais os desafios do Brasil pós-eleição?
Quais as estratégias que devem ser tomadas para que os a margem do poder não
sejam cada vez mais massacrados nesses quatro anos vindouros? Como os
movimentos sociais devem se comportar? É possível um diálogo mais eficiente
entre partidos de esquerda e os movimentos sociais? Como isso deve ser feito
para atingir os menos favorecidos?
Para
contribuir com essas e tantas outras questões e desafios, o Blog entrevistou o
filósofo, Dr. em Ciências da Religião e autor de dois livros, Carlos Alberto
Tolovi. Tolovi afirma que a vitória de Bolsonaro foi uma “tragédia” social no Brasil e que ele representou a “construção de
uma narrativa organizada pela direita, que respondia aos desejos e necessidades
da coletividade a partir de um caos produzido intencionalmente.”
O
filósofo, autor dos livros “Mito,
Religião e Política. Padre Cícero e Juazeiro do Norte” (Editora Prismas,
2019) e “Moral e Ética nas Relações de
Poder” (Editora Brazil Publishing, 2021), ressalta que nas disputas
ideológica o campo da educação é o mais importante, sendo a diversidade uma
constante ameaça.
Não
podemos nos esquecer que, na guerra ideológica, o campo da educação é um dos
mais importantes. Principalmente em um movimento fascista como esse que estamos
vendo. A diversidade sempre foi vista como uma ameaça para um sistema de poder
que quer ser absoluto, disse.
Leia a entrevista concedida por e-mail
ao Blog Negro Nicolau (BNN).
Blog
Negro Nicolau (BNN). Você é conhecido por ser um professor ligado aos
movimentos sociais, inclusive os de linhagem religiosa. No que pese a política
partidária usou muito sua rede social facebook para se manifestar contra o
candidato eleito Jair Bolsoanro (PSL). A que você credita a vitória de Bolsonaro?
Carlos Alberto Tolovi.
Quando um filósofo ou um sociólogo, com bases marxistas como eu, tenta entender
o fato de um candidato de extrema direita se eleger com os votos de grande
número de trabalhadores, nós corremos o risco de responder dentro de um esquema
fechado, que não dá conta do fenômeno ocorrido. Em minha perspectiva, entre os
diversos fatores que contribuíram para essa “tragédia” social no Brasil, eu
coloco uma questão que se encaixa dentro de um padrão universal: sempre que for
possível construir um caos social e a partir do mesmo colocar em destaque uma
narrativa ordenadora, que responda aos desejos e necessidades da coletividade,
é possível produzir um mito. Porém, esse mito sempre nasce com desejo de
sacrifício. E nesse esquema, o sacrificado é sempre aquele que não possui poder
de reação. Neste contexto, Bolsonaro não era apenas um candidato. Ele era a
construção de uma narrativa organizada pela direita, que respondia aos desejos
e necessidades da coletividade a partir de um caos produzido intencionalmente.
Assim, em nome de um reordenamento por meio de uma moral colonialista, foi
possível criar uma “onda devastadora” que diabolizou e condenou todos os focos
de resistência das minorias sociais no campo da luta de classes. A partir da diabolização
do Partido dos Trabalhadores foi possível rotular de forma condenatória todos
os partidos e movimentos de esquerda em nosso país. Paulo Freire já nos
alertava que uma das formas de dominação e opressão viria da mitologização da
realidade.
BNN. O que esperar de um
governo em que o eleito já demonstrou ser contra todos os direitos das maiorias
sociais, porém minorias nos espaços de poder?
Tolovi. Hoje é muito comum
encontrar pessoas que não votaram em Bolsonaro com o seguinte discurso: “vamos
esperar, quem sabe ele não seja tão ruim como nos parece! Quem sabe ele nos
surpreende?” Por outro lado, os que contribuíram com a sua eleição afirmam:
“ele nem assumiu ainda e vocês já estão condenando!” Em meio a esses discursos,
uma coisa já aprendemos nas lições da história: o que vimos de bom
especificamente para os mais pobres vindo da classe política denominada como
direita? Você poderia destacar uma conquista social, como os direitos da classe
trabalhadora, que não veio com suor e sangue de pessoas inseridas nas lutas
denominadas como esquerda? Pois é! Se Bolsonaro se elegeu canalizando as
energias e investimentos da elite do nosso país, como os banqueiros, os
fazendeiros, os médicos, enfim, os que podem ser chamados de burguesia, o que
podemos esperar desse governo? Que ele traia a classe que o elegeu ou que ele
sacrifique as minorias no campo do poder para saciar a fome dos capitalistas
inescrupulosos?
BNN. O presidente eleito
irá colocar no Ministério da Educação o professor e filósofo colombiano Ricardo
Velez Rodriguez. Ele foi indicado pelo escritor e jornalista Olavo de Carvalho
e teve o apoio da bancada evangélica. É possível ter uma educação voltada para
o reconhecimento e valorização da diversidade nesse governo?
Tolovi. Bem, se foi
indicado por Olavo de Carvalho – um intelectual banal e “prostituto” da direita; se foi aprovado
pela bancada evangélica – tendo como referência Edir Macedo e Silas Malafaia,
dois grandes representantes da religião como forma de dominação; e se foi
aprovado por Bolsonaro, então, o que esperar desse ministro? Não podemos nos
esquecer que, na guerra ideológica, o campo da educação é um dos mais
importantes. Principalmente em um movimento fascista como esse que estamos
vendo. A diversidade sempre foi vista como uma ameaça para um sistema de poder
que quer ser absoluto.
BNN. Houve mudanças no
quadro do congresso nacional que foi eleito nessas últimas eleições. Acreditas
que essas mudanças se darão também em ações que beneficiem aqueles a margem do
poder?
Tolovi. Quando vemos um
ator pornô, um palhaço, e tantos outros personagens que chegaram ao poder na
“onda do golpe”, desencadeado pelo legislativo, apoiado pelo judiciário e
alimentado pela grande mídia, nos perguntamos: o que devemos esperar? Sabemos
que na Câmara dos Deputados e no Senado Federal teremos certamente focos de
resistência em defesa dos que estão à margem do poder. Contudo, se não ocorrer
o fortalecimento e a união dos movimentos sociais, fortalecendo os partidos de
esquerda em nosso país, é muito difícil esperar políticas públicas voltadas aos
menos favorecidos.
BNN. A grande sacada de
Bolsonaro e de seus seguidores eleitos para o campo da educação é o projeto
“Escola sem Partido”. Se aprovado, didaticamente falando qual o efeito que ele
terá?
Tolovi. Como o campo da
educação está em disputa tendo em vista o controle do Estado, precisamos
desmontar essa narrativa ideológica. Em primeiro lugar, você conhece alguma
“Escola com partido”? Aqueles que sustentam os partidos de direita e extrema
direita em nosso país, propõem uma “Escola sem Partido". Mas, estão
fazendo essa proposta pensando em todas as escolas? É claro que não! Apenas
para as escolas públicas, onde estão as crianças, os adolescentes e jovens dos
trabalhadores. Afinal, é nas escolas que estes poderiam despertar, fazendo uma
leitura crítica da realidade e não aceitando ser mão de obra barata para o
mercado de trabalho. Os dominadores já perceberam que as escolas e
Universidades públicas representam focos de resistência diante de suas
propostas de “colonização moderna”.
BNN. Certa vez no
programa “Esperança do Sertão”, da Rádio Comunitária Altaneira FM, você chegou
a afirmar “quer acabar com a resistência e o poder de organização e criticidade
de um povo"?, "destrua a educação e a cultura". Um seguidor
militar de Bolsonaro e que fala sobre educação chegou a dizer que é preciso
trazer “a verdade” sobre o período da ditadura civil-miliar no Brasil para os
livros escolares. Que efeito prático tem essa frase?
Tolovi. Somente pela
educação e pela cultura é possível desencadear um processo de colonialidade –
uma forma de colonização da subjetividade. A maneira de fazer o colonizado
assumir a visão de mundo e a defesa do colonizador. Sem esquecer que a moral e
a religião encontram-se nesse campo cultural. Afinal, são duas dimensões essenciais
para fazer o explorado defender o seu próprio explorador, pois o dominado
assume os valores morais da classe dominante.
E
com relação a afirmação do professor sobre a “verdade da ditadura”, nos serve
para refletir sobre esse termo: a verdade. Para um povo que assumiu as verdades
dos invasores e colonizadores, denominados como “descobridores”, não é de se
estranhar uma afirmação como essas. O estranho foi descobrir nessas últimas
eleições a quantidade de professores preconceituosos, machistas e fascistas que
temos em nossas escolas. Nos faz refletir sobre os nossos processos formativos
em nossas Universidades.
BNN. Bolsonaro já formou
seu quadro de ministros que irão exercer suas funções a partir de janeiro. Qual
avaliação você faz dessas escolhas?
Tolovi. Sem novidades!
Pessoas que desprezam a diversidade, a educação pública, as políticas públicas,
as manifestações culturais e as necessidades dos negros e dos índios, etc.
etc.. Inclusive com Sergio Mouro, para passar uma imagem de um governo sério.
Afinal, se o desejo é o sacrifício dos menos favorecidos para atender à
“necessidade” de concentração de renda, é preciso um “Capitão do Mato” para
caçar os “escravos rebeldes”. É preciso alguém que ajude a conter os movimentos
de esquerda. Por isso tantos militares também no poder.
BNN. A democracia está
em risco com o governo Bolsonaro?
Tolovi. Penso que não
esteja em risco, mas já profundamente comprometida.
BNN. Fernando Haddad
(PT) foi colocado de última hora para disputar a presidência. No fundo, a ala
petista ainda acreditaria na soltura do Lula. Chegou no segundo turno, porém
não venceu. A escolha do PT em apostar todas suas fichas no Lula foi um erro?
Tolovi. Não creio que o PT
acreditava na soltura de Lula. O esquema do golpe foi bem montado e era preciso
tirar Lula do caminho para que o mesmo funcionasse até o fim. O que o PT não
contava era com a eficiência da estratégia do esquema montado em torno de
Bolsonaro. Favorecido pela facada, que justificou a sua ausência nos debates e
possibilitou o seu “silêncio”, alimentando a imagem da vítima com poder de
reação por meio das redes sociais que alimentou incessantemente o ódio por tudo
o que representava a diversidade frente a moral eurocêntrica.
BNN. Tu acreditar que
Lula é um preso político?
Tolovi. Certamente! Porque
devemos aderir à campanha do “Lula Livre”? Porque a trama que envolve a prisão
de Lula faz parte de um golpe ainda em curso, com características de fascismo
que, como afirmei anteriormente, compromete a nossa “jovem” democracia.
BNN. Guilherme Boulos
(PSOL) é tido como a grande aposta do campo da esquerda para 2022, embora tenha
tido uma votação inexpressiva. Qual sua avaliação sobre ele?
Tolovi. Foi o candidato que
mais apresentou um plano de governo que serviria de alternativa viável frente
ao capitalismo neoliberal. Foi quem mais denunciou de forma competente o
sistema hegemônico vigente e quem mais apontou caminhos para a saída desse
impasse gerado equivocadamente pela tentativa de “conciliação de classes”.
Precisamos de alguém que assuma de fato algumas bandeiras socialistas viáveis
nesse momento histórico, e não tenha medo de se assumir representante da
Esquerda, voltado para as necessidades dos menos favorecidos.
BNN. O aparecimento de
Bolsonaro acabou por acender a chama dos movimentos sociais. Boaventura de
Sousa Santos disse em novembro último que os movimentos sociais são a chave
para a reinvenção das esquerdas. Você concorda?
Tolovi. Certamente! São os
movimentos sociais que alimentam e fortalecem os partidos de esquerda. São os
movimentos sociais que são capazes de desencadear uma narrativa
desmitologizante. São os movimentos sociais que fomentam o empoderamento das
bases, onde se encontram os núcleos de resistência e de luta.
BNN. Que lição se pode
tirar dessas eleições?
Tolovi. Um dos maiores
erros do PT no poder - entre tantos outros -, foi ter assumido uma roupagem de
conciliador. Enquanto incorporou diversas lideranças sociais ao poder
executivo, acomodando os movimentos e as organizações de base, ofereceu espaço
e tempo para que a elite brasileira formulasse um “golpe fatal”. Diante disso
temos de aprender: a luta pela justiça social e equidade vai muito além de uma
proposta de igualdade. Exige uma cultura de organização das bases, resistência
e mobilizações permanentes.