![]() |
Janaína e Lucas quiseram homenagear as raízes de seus povos no sobrenome da filha. (FOTO | Arquivo Pessoal). |
Lua é filha do produtor cultural Lucas Sipya Kariri, coordenador do Memorial dos Povos Indígenas Vicente Kariri, e da professora e artista Janaína Jenipapo-Kanindé. Engajado na mobilização pelos direitos indígenas cearenses, o casal decidiu homenagear as origens de seus povos desde o nascimento da menina.
“Tem outras etnias que mantêm o sobrenome familiar, mas já colocamos o nome das duas etnias para apresentar essa força, resistência e memória que tentaram apagar. Quando colocamos a etnia, a gente apresenta para o Estado que somos resistentes ao tempo e à luta”, conta Lucas.
No entanto, os pais enfrentaram resistência do cartório que procuraram. “Como era algo novo, que ninguém tinha colocado antes, estavam na dúvida. Sugeriram que ela só mudasse a partir dos 18 anos, mas fomos atrás dos nossos direitos”, detalha.
O casal buscou o apoio de organizações e autoridades, como a secretária dos Povos Indígenas do Ceará, Juliana Alves; Luciano Kariri, presidente da Associação Indígena Kariri; Erasmo Jenipapo-Kanindé, presidente do Conselho Indígena Jenipapo-Kanindé; e Valdivino Neto Kariu-Kariri, historiador e especialista em etnologia indígena.
Durante o processo, precisaram apresentar documentos de pertencimento étnico das duas aldeias: Maratoan, em Crateús, e Lagoa Encantada, em Aquiraz. Só depois de quase três semanas é que eles finalmente receberam a certidão de nascimento da criança. “Foi algo bem angustiante, a gente tava indo quase todos os dias lá”, confessa o pai.
Queremos mostrar que nós estamos vivos e quebrar esse silenciamento que se teve há 523 anos.
LUCAS KARIRI
Pedagogo e produtor cultural
A secretária Juliana Alves, a Cacika Irê, lembra que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prevê, desde 2012, a inclusão da etnia no registro de nascimento, caso haja interesse. “Infelizmente, muitos desconhecem esse direito, tanto por parte da população quanto por parte dos cartórios de registro. O reconhecimento é fundamental”, entende.
No caso de Lua, a gestora afirma que interviu em parceria com a Defensoria Pública do Estado para que o direito fosse garantido.
DESPERTAR UM POVO
O nome “Maara” vem de uma lenda indígena Kariri, referente a uma princesa amaldiçoada pelo rei Manacá a se transformar em serpente. “Nas nossas lendas, quando Maara nasce, ela vai despertar o povo Kariri”, garante o pai.
É representativo que a menina viva na aldeia multiétnica Maratoan, que reúne indígenas pertencentes a diversos povos: Kariri, Jenipapo-Kanindé, Potiguara, Kalabaça, Tabajara e Guarani.
“Foi algo inédito e queremos encorajar outras pessoas a serem resistentes. Os ataques são constantes, diários. Já chega, temos que parar com esse medo e lutar de verdade pela nossa identidade”, defende a mãe, Janaína.
“Amanhã será a Lua que vai defender as nossas etnias e de todas as do Ceará”, complementa Lucas. “Colocando esse nome, estamos indo contra o Marco Temporal porque mostramos que nossa etnia veio muito antes dele e é uma forma de luta dos nossos troncos velhos”.
Para confirmar o processo identitário, Maara será batizada seguindo o ritual indígena no dia 5 de junho de 2024, data que marca o Ano Novo para a nação Kariri. Nessa tradição, o período simboliza o fim do inverno e a chegada da primavera, época de renovação da flora e da fauna.
--------
Com informações do Diário do Nordeste.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!