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(Foto: Reprodução/Blog do Sakamoto). |
Uma
das principais funções de um Estado é impedir que nos devoremos. Não é preciso
ser especialista para perceber que o poder público não tem sido competente para
tal tarefa e, como consequência disso, quase 64 mil mortes violentas são
registradas em um único ano. Números de zona de guerra.
Ao
dar o primeiro passo para flexibilização das regras para a posse de armas em
casa ou no local de trabalho, Jair Bolsonaro reconhece a incapacidade de seu
governo em implementar medidas para melhorar a segurança da população. Apesar
de ser o cumprimento de uma promessa de campanha, também é uma declaração de
que sua gestão não conseguirá resguardar o direito à vida.
E
reescreve também o contrato que firmamos como sociedade para impedir que nos
matemos uns aos outros, devolvendo ao cidadão comum parte da responsabilidade
por sua própria proteção armada. E não se engane: não estará, com isso,
garantindo mais liberdade por facilitar o acesso a armas, mas impondo um risco
desnecessário às pessoas que estão ao redor de quem as possui. Inocentes devem
morrer como consequência disso.
É
importante lembrar que o Estado não apenas tem sido incapaz de garantir paz,
como ele próprio é ator de perpetração de violência, seja ela decorrente de
autodefesa ou de ações ilícitas. Nossa polícia é uma das que mais matam e
também uma das que mais morrem. Se você é negro, jovem e morador de região
pobre com presença de conflitos entre traficantes, milicianos, policiais e/ou
militares sabe bem do que estou falando.
Policiais
honestos são vítimas da violência do tráfico, das milícias, dos policiais
desonestos, do preconceito de uma parte da população que espera que cumpram o
papel de capitães do mato. Mas também são alvo de sabotagem por parte do
próprio poder público – que prefere afrouxar o acesso a armas para civis muito
menos treinados que eles do que anunciar uma política nacional para valorização
imediata de seus salários e das condições de trabalho.
Pesquisa
Datafolha mostrou que 61% defende que a posse de armas deve ser proibida por
representar ameaça à vida de outras pessoas. Ou seja, desejam um Estado que
imponha limites ao armamento da população e, portanto, à capacidade de resposta
individual à violência frente à estatal. Armas que nascem no mercado legal, mas
roubadas ou vendidas, acabam abastecendo a criminalidade.
Como
já disse aqui, pode parecer paradoxal que um país que alçou Jair Bolsonaro à
Presidência da República defenda certas posições opostas daquelas que ele
fincou como bandeiras de sua administração. Mas a população votou na opção que
se vendeu como antissistêmica diante do desgaste do sistema e de seus
representantes em dar respostas efetivas para o desemprego, a violência e a
corrupção – o que pode ser verificado pelas diversas pesquisas que apontam o
desejo de mudança e a rejeição de partidos que antes governavam como principais
razões do voto em Bolsonaro. Alguns milhões votaram por questões de comportamento
e costumes, mas não são a maioria do país.
Não
significa, portanto, que todos seus eleitores e a sociedade endossem
necessariamente o pacote de propostas de redução do Estado, ao contrário do que
muitos querem fazer crer. Quando pedem segurança, não querem mais armas, mas
que o poder público funcione.
Seria
ótimo se a campanha eleitoral de 2018 tivesse discutido a fundo segurança
pública. Aliás, seria ótimo se o presidente tivesse participado de mais debates
sobre qualquer assunto. Isso teria ajudado a iluminar formas de trazer os
moradores de comunidades dominadas pela violência para ajudar a construir
saídas. Debater a desmilitarização da força policial, mudanças na sua formação,
melhoria em seus salários e condições de trabalho. Usar a inteligência policial
para articular bloqueios de bens de criminosos ou comércio ilegal de armas. Tornar
efetiva a punição caso seja constatado o envolvimento de policiais em delitos.
Dar voz aos policiais honestos para que ajudem a encontrar soluções. Afinal,
eles também tombam de forma inaceitável não apenas no cumprimento do dever, mas
também como vítimas de crimes, quando descobertos nos bairros e comunidades pobres
em que moram.
Se
o debate sobre segurança pública não passar por ações estruturais que melhorem
a qualidade de vida, garantam justiça social, permitam que o jovem pobre tenha
perspectiva real de futuro, não teremos solução sustentável. Pois liberar
armas, matar geral ou colocar criança em cadeia privatizada só jogará mais
gasolina ao fogo. E, é claro, enterrar a fracassada política de "guerra às
drogas" – enquanto ela for mantida e não encararmos o problema como de
saúde pública, o Estado seguirá alimentando o tráfico de armas e promovendo
violência.
É
importante frisar que o fracasso em políticas de segurança não é monopólio da
direita, do centro ou da esquerda – todos têm sido responsáveis pelo buraco em
que estamos. PT e PSDB, porque governaram o país e grandes estados da federação
por muito tempo. MDB, porque se via como dono do país. E o PSL, porque começou
errando. E feio. (Por Leonardo Sakamoto, em seu blog).
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