Nessa
semana, dois textos de colaboradoras do jornal carioca O Globo chamaram
bastante a atenção dos leitores, não exatamente pela qualidade do conteúdo em
si, mas pelo grau de preconceito destilado em suas palavras.
Em
um deles, a colunista Hildegard Angel defendeu a segregação como medida para
conter os arrastões em praias do Rio de Janeiro. Entre as sugestões destinadas
ao governo, surgiram ideias brilhantes como “diminuir drasticamente a circulação das linhas de ônibus e de metrô no
fluxo Zona Norte-Zona Sul” e até mesmo “cobrar
entrada nas praias de Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon”.
![]() |
Jornalistas
Danuza Leão [baixo] e Silvia Pilz ganharam notoriedade com textos que revelam
incômodo e deboche em relação aos mais pobres.
|
É
isso mesmo. Para a colunista, impedir o acesso da população pobre às áreas mais
prestigiadas da cidade é uma maneira eficiente de “reprimir as hordas e hordas
de jovens assaltantes e arruaceiros”. “As
medidas são antipáticas e discriminatórias, concordo. Mas ou é isso ou será o
caos”, finalizou. Aparentemente arrependida de suas declarações, Hildegard
retirou o texto do ar após uma saraivada de críticas.
Seguindo
a mesma linha, os leitores d’O Globo foram brindados com uma publicação
pretensamente irreverente, mas nem por isso menos cruel. Em seu blog, a
jornalista Silvia Pilz descreve o comportamento dos mais pobres em consultórios
médicos.
Em
tom de deboche, ela afirma que essas pessoas costumam inventar doenças e fazem
drama para faltar ao trabalho. “Acho que
não conheço nenhuma empregada doméstica que esteja sempre com atacada da
ciática [leia-se nervo ciático inflamado]. Ah! Eles também têm colesterol
[leia-se colesterol alto] e alegam ‘estar com o sistema nervoso’ quando o
médico se atreve a dizer que o problema pode ser emocional”, escreveu.
Silvia
ridiculariza ainda a procura por mais informações na área da saúde, dizendo
que, ao assistir a um programa da Rede Globo sobre o assunto, “o caso normalmente é a dúvida de algum pobre”.
“Coisas do tipo ‘tenho cisto no ovário e
quero saber se posso engravidar’. Porque a grande preocupação do pobre é
procriar”, complementa.
A
jornalista enfatiza que, com a democratização dos planos de saúde, fazer exames
se tornou um programa divertido para os pobres, que se arrumam especialmente
para a ocasião, chegam cedo e, admirados com o ar-condicionado e o piso de
porcelanato dos laboratórios, aguardam ansiosamente pelo lanche oferecido após
os exames.
Não
sabemos exatamente em que país vive a blogueira em questão, mas, no Brasil, a
relação entre os pobres e o acesso à saúde está longe de ser engraçada. Embora
algumas conquistas sejam evidentes, os planos particulares não funcionam às mil
maravilhas e ainda são, sim, um privilégio de poucos. A realidade da população
de baixa renda ainda é, em boa parte, a fila do hospital público, a
superlotação, a falta de médicos e a dificuldade na marcação de consultas.
O
país, de fato, está mudando. Mas o que parece não mudar nunca é a ideia de um
‘apartheid’ social que enche os olhos da classe média alta brasileira,
incomodada em dividir o mesmo ar que segmentos antes marginalizados.
Danuza Leão
Impossível
não lembrar da afirmação de outra polêmica colunista, a socialite Danuza Leão,
que há alguns anos escreveu na Folha de S. Paulo que ir à Nova Iorque não tinha
mais graça, já que eram grandes as chances de encontrar o seu porteiro por lá.
Esses são exemplos clássicos de que o que incomoda a elite não é a perda de direitos, mas de privilégios. Em um mundo onde ser ‘VIP’ e obter exclusividades são o ápice do prazer aristocrático, a popularização do acesso a educação, saúde, viagens e bens de consumo deve ser mesmo um horror.
Imagine
que absurdo o filho do motorista estudar na mesma faculdade que o seu, ou
encontrar a manicure fazendo compras naquela que era a sua loja preferida.
Ainda mais ultrajante deve ser ver a empregada jantando filé mignon e dizendo a
você que, de uma vez por todas, a escravidão acabou. Haja Lexotan para acalmar
os ânimos dessa gente, tão afeita a mandar e desmandar sozinha em seus feudos
imaginários. Quanto a isso, só resta uma coisa a ser dita: acostumem-se… A
tendência é piorar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!