![]() |
A ex-senadora Marina Silva fala no lançamento de seu novo partido |
Um
dos traços mais problemáticos de nossa cultura política reside no fato de a
vasta maioria da população tender, nas escolhas eleitorais, a dar mais valor
aos candidatos do que aos partidos.
Nas
pesquisas, quando se pergunta ao eleitor o que ele leva em consideração na hora
de definir seu voto, mais de 80% costumam responder: “A pessoa do candidato”.
Menos de 10% apontam o partido.
Por
mais extraordinário, o mais grave não são os números. Pior é vê-los como
naturais. No Brasil, ninguém estranha o discurso da primazia da dimensão
pessoal. Todos acreditam ser normal pensar assim. Não é. Ao contrário, é
sintoma de subdesenvolvimento político. Nas democracias maduras, acontece o
inverso. Nelas, não faz sentido achar secundário o partido ao qual pertence um
candidato.
Dá
para imaginar um eleitor norte-americano não interessado em saber se um
candidato, especialmente ao cargo de presidente, é democrata ou republicano?
Que prefere fantasiar a respeito de sua “pessoa”?
Atribuir
importância decisiva a essa dimensão pessoal é pueril, para dizer o mínimo, até
por ser impossível conhecer “no íntimo” os candidatos. Ou alguém se considera
capaz de “conhecer” um candidato ou candidata depois de vê-lo ou vê-la de vez
em quando na televisão? Como se sua imagem televisiva, construída por meio de
alta tecnologia e altíssimos custos, fosse sua “essência”.
Quando
o assunto é provocado em pesquisas qualitativas, vemos o esforço do eleitor
comum para insistir na tese. Inventa a capacidade de enxergar a “verdade
interior” dos candidatos, olhando-os “nos olhos”. Que “sente” quando pode
confiar em alguém. Que consegue discernir as “pessoas de bem”.
E
assim escolhe. Para que se preocupar com os partidos, se imagina possuir uma
espécie de comunicação transcendental com os postulantes?
Essa
ficção ingênua e despropositada tem raízes em nossa experiência. Não se mexe
impunemente com a estrutura partidária de um país tantas vezes quanto aquelas
ocorridas aqui. Sempre há sequelas. O que os militares fizeram em 1966 ao
extinguir partidos que mal tinham 20 anos de vida e ao impor um bipartidarismo
artificial, repercutiu em todos os acontecimentos da vida política depois da
volta das eleições diretas.
Por
termos criado tantos partidos e estabelecido uma legislação tão instável a seu
respeito, é compreensível que muitos eleitores fiquem confusos e procurem se
refugiar no personalismo como critério. Por mais infantil que seja a
argumentação.
Agora,
depois das manifestações de junho e sua ojeriza aos partidos, o personalismo
encontra ambiente ainda mais propício. Aumentou em muito a proporção daqueles
que partilham da velha ilusão de que a melhor maneira de escolher candidatos é
procurar sua “alma”.
Como
se as campanhas fossem uma espécie de concurso de Miss Brasil, os candidatos e
candidatas desfilam diante dos eleitores, que definem seu preferido ou
preferida pelas virtudes exibidas: quem tem “os mais belos sentimentos”, quem é
o “mais sincero ou sincera”, o “mais humano ou humana”, o portador da biografia
mais bonita, o que “emociona mais”.
Dos
candidatos em campo, a grande beneficiária desse estado de coisas é Marina
Silva, ainda mais por adotar uma estratégia política que reforça os
estereótipos antipartido presentes em nossa cultura. Ela se oferece como opção
para aqueles que acreditam na puerilidade personalista.
Com
sua Rede Sustentabilidade, a ex-senadora não constrói partido algum. Basta ver:
quase sete meses depois de fundá-la, nem sequer conseguiu a metade das assinaturas
necessárias para solicitar o registro da legenda na Justiça Eleitoral. E apesar
de contar com milhares de simpatizantes na juventude de classe média, tão fácil
de ser mobilizada. Talvez lhe falte empenho para resolver uma questão tão
burocrática quanto institucionalizar o seu partido.
Para
os conhecedores da política, isso não seria muito grave, pois Marina poderia se
candidatar por outra agremiação. Quem sabe o PV? No fundo, ela e seus
seguidores parecem estar apenas a escrever um novo capítulo na história dos
partidos personalistas no Brasil. Ademar de Barros não criou o PSP para fazer
carreira? Fernando Collor não lançou o PRN para ser candidato? E Enéas
Carneiro, com seu Prona?
É
a vez do partido da Marina. Para quem não acredita nas legendas políticas,
trata-se de um prato cheio.
Via
Carta Capital
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!