Pages

22 de novembro de 2024

Escola Padre Luís Filgueiras realiza mesa redonda para debater a relação entre “Mulheres, Educação e Comunicação Antirracista”

 

Estudantes e professores durante a mesa "mulheres, educação e comunicação antirracista". (FOTO | estudante Kauê Oliveira).

Por Nicolau Neto, editor

A Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Padre Luís Filgueiras, em Nova Olinda-CE, realizou na última quinta-feira, 21 de novembro, a edição 2024 do Novembro Negro, parte integrante de um conjunto de ações desenvolvidas durante o ano letivo dentro de componentes curriculares da área de Ciências Humanas, sobretudo em Sociologia.

O evento foi realizado no Centro de Eventos José Ariovaldo Sampaio e debateu a relação histórica e sociológica entre “Mulheres, Educação e Comunicação Antirracista.” As estudantes Edilaine Lima e Jamile Bispo, do 2º e 3º ano, respectivamente, foram as cerimonialistas e apontaram que não há como falar da História do Brasil sem mencionar os mais de três séculos de escravização, tanto dos povos originários quanto dos povos africanos. “A História do território que hoje chamamos Brasil se entrelaça com o processo de escravização. Os europeus levaram de forma forçada para o continente americano mais de 12 milhões de africanos para serem escravizados. Segundo Laurentino Gomes, em seu livro “Escravidão”, o Brasil sozinho obteve desses mais de 12 milhões cerca de 5 milhões de africanos na condição de escravizados”, destacou Edilaine.

Isso significa dizer que não dá para entender a formação do país sem que estudemos de maneira séria a escravidão que tão mal fez e tem consequências desastrosas. Afinal, a principal consequência que temos hoje é o racismo. O racismo é um projeto de poder muito difícil de combater. E ele que mantém os privilégios, a desigualdades e que mantém a população preta e indígena a margem, no desalento”, complementou Jamile. No entanto, disse, “se por um lado a gente não pode pensar o Brasil sem estudar a escravidão e as consequências danosas dela originadas, é importante destacar que a compreensão do Brasil, em particular da educação e da comunicação como instrumentos de luta por justiça e equidade, passa primordialmente pelas contribuições da população preta, especialmente de mulheres pretas. Pensou em combate ao analfabetismo? Lá está uma mulher preta, a Antonieta de Barros. Sua crença era que a educação era a única arma capaz de libertar os desfavorecidos da servidão. Foi com essa visão que ela criou um curso que levou seu nome, o ‘Antonieta de Barros’, com o objetivo de combater o analfabetismo de adultos carentes. E o dia do professor e da professora, celebrado anualmente em 15 de outubro? Foi Antonieta de Barros”, argumentou.

Já Edilaine trouxe para a cena nomes como Aqualtune, fundadora do “Quilombo dos Palmares” e avó de Zumbi dos Palmares; Tereza de Benguela, conhecida por ser símbolo na luta contra o racismo e o patriarcado do século 18, e ter liderado o Quilombo do Quariterê, atual estado do Mato Grosso. “Desde 2014, o Brasil celebra, no dia 25 de julho, o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra”, relatou.

“E como esquecer de Preta Tia Simoa, heim gente? Segundo o professor Nicolau Neto, com base em estudos desenvolvidos pela historiadora cearense Karla Alves, ‘Tia Simoa definiu os rumos da abolição no Ceará.’”, disse Jamile.

Outros nomes importante foram trazidos, a exemplos de Beatriz Nascimento e Lélia Gonzalez. “Hoje, dando continuidade a esse grande legado temos Sueli Carneiro, Cida Bento, Cícera Nunes, Zuleide Queiroz, Maria Telvira, Karla Alves, Dayze Vidal, Valéria e Verônica Carvalho e tantas e tantas outras, das quais as nossas convidadas de hoje fazem parte”, mencionou Edilaine.

Para a diretora Cida Matos, o evento marca o trabalho cotidiano que a escola, a partir da área de Ciências Humanas, realiza. “Esse é uma ação que não ocorre apenas em novembro. Não é ação pontual, mas é fruto de atividades anual nos componentes curriculares das humanas”, destacou ela.


Professor Nicolau Neto. (FOTO | estudante Kauê Oliveira).

Já o professor Nicolau Neto, destacou que as convidadas para a mesa são referências em suas áreas de atuação e que irão discutir temáticas muito caras para o país. Afirmou ainda que é “dentro desse contexto que necessitamos construir uma educação voltada para a diversidade, para a pluralidade e que esteja direcionada a combater diariamente o racismo. A nossa educação precisa ser antirracista e um dos caminhos para isso é o debate, a reflexão e a promoção de ações que perceba negros, negras e povos nativos como contribuidores na formação do país, agentes transformadores e, principalmente, como produtores de conhecimentos e de saberes” e lembrou que “pela primeira vez o Dia da Consciência Negra, lembrado na quarta-feira, 20 de novembro, foi feriado nacional. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a Lei 14.759, que coloca no calendário de feriados nacionais o Dia da Consciência Negra e o Dia Nacional de Zumbi dos Palmares, em dezembro de 2023. É um marco importante que devemos aproveitar para continuarmos a denunciar as desigualdades e lutarmos para que a valorização da nossa história aconteça de fato”, disse.


Da dir. para a esq. : Ermina Bezerra, Victória Alencar e Ismênia Leite. (FOTO | estudante Kauê Oliveira).

Palestrantes

Para discutir a temática “Mulheres, Educação e Comunicação Antirracista”, foram convidadas Tatiane Evangelistas. Ela é da Zona Leste de São Paulo e mora no Cariri Ceara desde 2010 É Assistente Social, cursou Filosofia na Universidade Federal do Cariri (UFCA) e Sanitarista egressa da Residência Integrada em Saúde com ênfase em Saúde Coletiva pela Escola de Saúde Pública do Ceará. Poeta e Educomunicadora vive os movimentos sociais desde sua infância, participante da fase embrionária do projeto Educom.radio em 2002 pela Univesidade de São Paulo (USP). Ismênia Leite, professora de geografia da rede pública municipal de Assaré. Mestranda em educação, pesquisa sobre as memórias das afrodescendências de Assaré na formação civilizatória do lugar e é integrante do Núcleo de Estudo em Educação, Gênero e Relações Étnico-raciais- NEGRER. Victoria Alencar, de 17 anos. Ela é a primeira mulher transexual presidenta de um grêmio estudantil na história do Cariri, diretora de movimentos secundaristas da União da Juventude Socialista (UJS) de Crato. É militante na frente LGBTQIA+, Antirracista da UJS Ceará e transfeminista negra. Além de três estudantes da própria escola. Além da duas cerimonialistas, Ermina Bezerra, do 2º Ano A e integrante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi), do Instituto Federal do Ceará (IFCE), campus Crato.

Primeira a falar, Ermina destacou as contribuições do NEABI para a sua formação antirracista. Segundo ela, a entrada no núcleo, foi essencial para modificar ser referencial na área da educação, sobretudo seu papel enquanto estudante não negra na luta por uma educação que fortalece o combate ao racismo e valorização das heranças do povo negro no Brasil. Destacou ainda há dois anos faz parte do núcleo e que permanece menos tendo deixado o IFCE para estudar na escola Luís Filgueiras.

Ismênia Leite, por sua vez, trouxe um recorte de sua pesquisa de metrado em educação na Universidade Regional do Cariri (URCA), que versa sobre “Mulheres e as afrodescendências nas cidades do Cariri cearense.” Nesse sentido, procurou mostrar a necessidade de reconhecer a contribuição e participação das mulheres na produção das cidades da região do Cariri cearense, tendo como foco o município de Assaré. Em sua arguição, destacou o trabalho realizado pelas mulheres no passado escravista e os desafios enfrentados por mulheres negras para acessar as políticas públicas. “Nós (mulheres negras nordestinas) somos atravessadas, diferentemente das mulheres de outras regiões, também pelo eixo da territorialidade”, disse.


Tatiane Evangelista. (FOTO | estudante Kauê Oliveira).

Tatiane falou sobre o papel da comunicação, da linguagem como instrumento de transformação social. Trouxe a cena seu histórico enquanto estudante de escola pública no Estado de São Paulo, como liderança em grêmio estudantil e reconhecedora do quanto a educação aliada um projeto decente de comunicação pode ser transformador e um redutor de desigualdades. Destacou ainda sua participação no programa “Educocomunicação”, desenvolvido de 2001 a 2004, pela Secretaria Municipal de Educação e pelo Núcleo de Comunicação e Educação da ECA/USP e que já formou mais de 10 mil pessoas, entre professores, professoras e estudante para atuarem com mídia nas escolas.

Para ela, “o uso de mídias de forma responsável é muito importante. Não devemos ter medo das tecnologias. Elas fazem parte do nosso cotidiano. Postando nossas vivências lá”, disse. E complementou “eu acredito que devemos ter uma disciplina nas escolas sobre Educação Midiática, para podermos discutir de forma séria seus impactos na vida e na educação. Projetos de educação que pense o papel da comunicação para a construção da cidadania, o exercício desafiador de dialogar com respeito a liberdade de expressão e como um instrumento de luta contra quaisquer tentativas de voltar a regimes autoritários é crucial que aconteça.”

A estudante Victória trouxe para a mesa e para o público relatos de suas vivências enquanto mulher trans. Mencionou que a transição se deu ainda na escola e que enfrentou e enfrenta desafios para ser aceita e respeitada no ambiente escolar. “Se na escola que é um ambiente para ser acolhedor de todas as diversidades e não me sinto respeitada, como posso me sentir segura?”, indagou. Ela afirmou que enfrentou muitos olhares tortos, tanto de estudantes quanto de professores.

A estudante afirmou ainda dados estarrecedores sobre a morte de mulheres trans no país. “O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Mata mais do que outros onde é crime não se comportar como homem cis e mulher cis”, disse.

Destacou ainda que pessoas como ela, que além se mulher trans é preta e periférica e que todas as estatísticas apontam que não passa dos 35 anos. “Eu fico pensado até que dia estarei viva. Fico pensando se volto pra casa toda vez que saio”, falou. “Mas eu sou resistência. Quero estudar. Quero me formar. Quero trabalhar. Afinal, como disse a escritora negra Conceição Evaristo, ‘eles combinaram de nos matar, mas a gente combinou de não morrer’”, finalizou.

Poesias autorais

O evento ainda contou com recitações de poesias atorais. Duas de Edilaine e uma de Jamile.

A primeira trouxe em suas escritas “Miseráveis abolidos” e “ A voz não escutada”.

meus filhos choram

implorando por feijão

minhas mãos tremem

vejo morrer de fome em meu braços

o meu filho mais novo, João”...

diz trecho de “miseráveis abolidos.”

Jamile destaca em sua poesia a importância das mulheres vítimas de violência fazerem as denúncias e em um dos trechos destaca:

seus gritos ecoam

tua dor é visível

por que, mulher?

por que você se cala”?

Após a mesa de debates, o evento contou com várias contribuições. Representantes do Grêmio Estudantil da EEMTi Adrião do Vale Núvens, de Santana do Cariri, Rafaela e Yasmim destacaram a importância das discussões e aproveitaram para relatarem um conjunto de ações que irão desenvolvem para a construção de uma educação antirracista e que foi escrita após a palestra do professor Nicolau Neto no ultimo dia 19.

Contribuíram também o professor Marcos Ramos, a professora e coordenadora Samara Macêdo e a servidora pública Júlia Lopes.

Marcou presença no evento também o Grêmio Estudantil da EEEP Wellington Belém de Figueiredo.

O Novembro Negro foi uma realização da área de Ciências Humanas e apoio dos demais professores/as, núcleo gestor e do Grêmio Estudantil e teve como público-alvo os estudantes.


Um comentário:

Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!