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(FOTO/ Rovena Rosa/EBC) |
As
principais vítimas da tragédia de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo,
e o crescimento da população em situação de rua nas grande cidades têm uma raiz
em comum: a aporofobia. Ou, em português claro, a aversão a pobres. Na visão do
padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo, a especulação
imobiliária é um dos combustíveis para esse processo de invisibilização dos
mais pobres. E tem como aliado o poder público, quando este, em vez de combater
a exclusão social e suas causas, culpa os excluídos por sua condição.
“Aporofobia, por exemplo, é o que nós estamos
vendo em São Sebastião. Quem é que ficou soterrado? Os soterrados são os pobres
e os trabalhadores. Que os condomínios e hotéis não os querem perto”,
observa padre Júlio. O religioso faz a comparação ao comentar a lei, que leva
seu nome, que proíbe as cidades de praticar intervenção hostil contra moradores
de rua. “Assim, a intervenção hostil é um
sintoma da aporofobia, quando se colocam estacas, pontas de lanças,
gotejamentos, graxas e outros obstáculos que não deixem espaço para as pessoas”,
diz.
O
Congresso Nacional aprovou a Lei Júlio Lancellotti no ano passado. O
ex-presidente tentou vetá-la, mas o Congresso rapidamente derrubou o veto. No
estado de São Paulo, a Assembleia Legislativa aprovou lei com mesmo teor, mas
também vetada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Ou seja,
mesmo governador que visitou as cidades do litoral norte de São Paulo depois
das tragédias nas chuvas, barra, em seu quintal, uma ação de “luta pela vida e
pela dignidade humana”, nas palavras de Júlio Lancellotti.
Gestão pública, interesses privados
Na
capital paulista, prefeitura e especulação imobiliária também travam batalhas
contra os moradores de rua movidos a aporofobia. Porque não em vez de enfreta
as causas e da pobreza, enfrentam os pobres mesmo. Ou seja, a gestão pública se
une aos interesses privados com objetivo de jogar toda a população da cidade
contra a população de excluídos.
Essa
prática fez com que o padre Júlio, junto com o deputado federal Guilherme Boulos
(Psol-SP), ingressassem com uma ação civil pública contra a gestão do prefeito
paulistano Ricardo Nunes (MDB). Com a ação, conseguiram barrar temporariamente
a ofensiva do prefeito contra os sem-teto e suas barracas.
A
cidade de São Paulo tem 48 mil pessoas em situação de rua, segundo estudo da
Universidade Federal de Minas Gerais baseado no Cadastro Único do governo
federal. Ou seja, pondera Júlio Lancellotti, o número de moradores de rua na
capital paulista deve ser ainda maior, já que boa parte dessa população não tem
sequer acesso a meios de se inscrever no CadÚnico. “Eu convivo diariamente com
essa população e ainda encontro muitas pessoas que nem sequer têm o CadÚnico
por problemas de falta de documentos”,
“Veja o problema que veio à tona após a
tragédia em São Sebastião. Os condomínios e hotéis que ocupam as áreas próximas
à praia não querem os pobres por perto. Tampouco os seus trabalhadores os
hotéis e condomínios querem por perto”, diz o padre.
Ele
observa ainda a dificuldade de seguir o que o presidente Lula pediu em sua
visita a São Sebastião: que os prefeitos encontrem áreas seguras para novas
moradias. “Então, as áreas seguras a especulação imobiliária não quer
disponibilizar para moradia para os pobres. E isso acontece em São Paulo também
(e com a população de rua de toda grande cidade também).”
População contra população
O
coordenador da Pastoral explica: “Existe
um decreto municipal desde a gestão de Bruno Covas (morto em 2021 e sucedido
por Ricardo Nunes) que determina que a prefeitura não pode retirar itens
essenciais à sobrevivência das pessoas em situação de rua. Mas eles mesmos não
obedecem o próprio decreto deles”, critica. “E eles retiram documentos, remédios, água, alimentos, vestuário, colchões,
cobertas, além da barraca.”
Lancellotti
avalia que ações desse tipo visam a “retirar
de vista” os sem-teto e são agravadas quando os poderes públicos afirmam
que eles não teriam motivo para estarem nas ruas. “Dizem que nós (os defensores dos direitos do povo de rua) queremos que
as pessoas fiquem nas ruas. E jogam a população da cidade contra a população em
situação de rua quando se diz que eles estão na rua porque eles querem. O
próprio prefeito chegou a dizer ‘eu não sei por que eles estão na rua’. Ora, é
só perguntar pra eles, que não haverá respostas, nem qualitativamente, nem
quantitativamente. Não se pode enquadrar a todos na mesma resposta.”
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Com informações da RBA.
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