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25 de março de 2025

Ceará terra da luz?

 

Lívia Nascimento. (FOTO | Acervo pessoal).

Por Lívia Nascimento, advogada

O negro não esteve sob um regime autoritário apenas durante os vinte anos de governo militar; nós estamos sob o regime do autoritarismo há quase 500 anos. Para nós, todos os governos, todos os regimes deste País têm sido ditatoriais, autoritários, e por isso precisamos, agora que falamos em abertura, que estamos às vésperas da construção de um Brasil novo, ter em mente esse dado fundamental para essa nova organização social e política do nosso País. [Os negros que] construíram com sangue, suor, lágrimas e muito sofrimento este País e são considerados cidadãos de segunda classe. Tanto que nos condenam com um racismo ao reverso, quando advogamos o nosso direito de igualdade, o nosso direito de nos vermos representados em todos os níveis de poder. [...] Enquanto não existir a presença negra em todos os níveis de poder, em todas as instituições deste País, estaremos aqui clamando: este Brasil não tem o direito de falar em democracia. (NASCIMENTO, 2014, p.79).

(Depoimento do artista, ativista, intelectual e político Abdias Nascimento à Assembleia Nacional Constituinte de 1987).

Em 24 de março de 2025, acordamos com as menções relativas ao Dia Internacional do Direito sobre as graves Violações dos Direitos Humanos e pela Dignidade das Vítimas, instituída pela ONU para recordar a luta do Arcebispo Óscar Romero, assassinado após resistir contra o regime autoritário em El Salvador, em 1980. Os movimentos pelo direito à verdade e reparação no Brasil celebram essa data, já que o mês de março fecha com a recordação do golpe de 1964 que instaurou a ditadura militar no país.

Contudo, dia 24 de março de 2025 foi o dia que o povo cearense foi dormir após as notícias de que o Governador Elmano de Freitas afirmou “Entre um policial ser vítima e bandidos tombarem, que eles levem sempre a pior. Minha determinação será sempre agir dentro da lei, mas com a força que for necessária para combater firme o crime e dar mais paz para nossa população.”

Discurso difícil de engolir às vésperas do 25 de março, data que celebra a carta Magna do Ceará, principalmente quando se sabe que agir dentro da lei, historicamente, tem legitimado os conhecidos autos de resistência,1 autorizando o genocídio do povo negro, garantindo a impunidade e alimentando o ideal da falácia das guerras às drogas e a máxima “bandido bom, é bandido morto”.

As chacinas que têm ocorrido nas periferias cearenses, os relatórios sobre as torturas nos presídios e os demais dados sociodemográficos que apresentam a precarização das vidas negras no Ceará, que são 72% da população, demonstram bem a cor dos corpos caídos no chão, fardados ou não (já que os policiais negros também são os que mais morrem), em conflito ou não. As balas perdidas sempre encontram o alvo certo na cor negra.

Ceará Terra da Luz? Só se for a luz do raio do Raio atirando...

1 Termo jurídico usado pelo Estado brasileiro a casos de violência exercida por agentes do Estado contra civis que resistiram à autoridade. Criticado pelos defensores de Direitos Humanos por servir para legitimação da letalidade policial e absolvição dos agentes.

Um comentário:

  1. 141 anos após a abolição no Ceará e o Estado continua legitimando (com máscara democrática) o genocídio do povo negro. Não importa o governo, o partido... Essa luz que tanto falam que o Ceará tem só alumia o corpo negro quando é pra prender ou matar! Só vejo a luz mesmo na luta organizada do meu povo!✊🏽

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