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Vera Lúcia da Silva tem 61 anos e mora na periferia do Recife. (FOTO | Divulgação). |
Uma jornada que começou entre espanadores e livros há mais de cinco décadas está prestes a ganhar novos capítulos. Às vésperas de completar 62 anos, em 3 de fevereiro, Vera Lúcia da Silva, mulher negra e moradora da periferia do Recife, lança seu primeiro livro, “Espanador não tira poeira: memórias e aprendizados de uma empregada doméstica”, que acabou de se aposentar, mas não larga mão de seguir trabalhando.
Vera
nasceu no Engenho Palma, em Sirinhaém, na Zona da Mata Sul, a 75 km da capital
pernambucana, e começou a trabalhar como empregada doméstica aos 12 anos. Dois
anos depois, deixou o interior e se mudou para o Recife, carregando nas malas o
peso da exploração e das condições precárias do trabalho doméstico.
Ao
longo dos anos, enfrentou humilhações, falta de direitos, acusações injustas e
preconceito por ser mulher e de origem humilde. Situações de violência
simbólica, como ser forçada a comer sobras de comida estragada ou ser impedida
de usar os banheiros da casa em que trabalhava — sendo direcionada a
instalações precárias — estão entre alguns relatos presentes na publicação.
Mãe
solo aos 19 anos de três filhos — uma delas doutora em Medicina Veterinária e
outra formada em Química e técnica de enfermagem — a mulher que começou como
empregada e se tornou escritora dedicou sua vida a proporcionar um futuro
melhor para suas filhas.
“Sempre disse a elas: ‘Meu trabalho é digno,
mas vocês precisam estudar para não passarem pelas dificuldades que eu enfrentei'”,
relembra com emoção.
Nos
anos 1990, Vera trabalhou na Biblioteca do Centro de Filosofia e Ciências
Humanas – CFCH, no campus da Universidade Federal de Pernambuco, no bairro
Cidade Universitária, Zona Oeste da capital pernambucana, limpando os livros
com a dedicação de quem reconhece o valor do que está cuidando. Foi nesse
ambiente que ela conheceu a professora Silke Weber, que a contratou para limpar
sua sala de trabalho, no 12º andar, onde aconteciam as atividades do Programa
de Pós-graduação em Sociologia. Foi ali que os caminhos se cruzaram pela
primeira vez com Wedna Galindo, docente do Departamento de Psicologia da UFPE,
que se tornaria sua parceira e coautora no projeto do livro.
Enquanto
realizava seu trabalho, Vera chamou a atenção de Wedna pelo cuidado com que
manuseava as obras e pela curiosidade com os títulos. O contato inicial evoluiu
para conversas sobre a realidade do trabalho doméstico e a vida de Vera, que,
mais tarde, seriam transformadas nas páginas de Espanador não tira poeira.
“A cada conversa, percebia que, mesmo sem ser
plenamente consciente, Vera estava refletindo criticamente sobre sua própria
trajetória e as condições de trabalho que vivenciava”, explicou Wedna.
“A produção do livro foi, de fato, uma
proposta que surgiu dela mesma. O meu papel foi sempre o de respeitar o desejo
de Vera. Eu enxerguei naquele desejo uma grande potência, um potencial
transformador, que, se bem conduzido, poderia ganhar vida própria”,
concluiu a coautora.
Doutora
em Psicologia pela Universidade Católica de Pernambuco, Wedna Galindo tem um
extenso histórico de trabalhos com movimentos sociais e projetos voltados para
a valorização da memória de grupos invisibilizados. Sua sensibilidade e
habilidade de ouvir foram fundamentais para que Vera transformasse suas
memórias em um relato poderoso e reflexivo.
“Wedna me deu coragem de acreditar que minha
história poderia inspirar outras pessoas. Ela sempre dizia: ‘Sua voz importa,
Vera'”, conta a autora.
A obra,
com 96 páginas, está dividida em cinco partes, que abordam desde sua infância
até reflexões sobre dignidade e respeito no trabalho doméstico. O título do
livro foi inspirado em sua primeira experiência de trabalho, quando foi
injustamente acusada de não limpar os móveis, sem saber que o espanador apenas
espalhava a poeira.
“Esse título é mais que uma lembrança, é uma
metáfora para como sempre fomos tratadas: invisíveis e desvalorizadas”,
reflete Vera.
A
publicação, que conta com o Selo Mirada, já disponível para pré-venda.
___
Com informações da Alma Preta Jornalismo.
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