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3 de fevereiro de 2025

Livro de empregada doméstica negra conta histórias de 50 anos de trabalho invisível

 

Vera Lúcia da Silva tem 61 anos e mora na periferia do Recife. (FOTO | Divulgação).

Uma jornada que começou entre espanadores e livros há mais de cinco décadas está prestes a ganhar novos capítulos. Às vésperas de completar 62 anos, em 3 de fevereiro, Vera Lúcia da Silva, mulher negra e moradora da periferia do Recife, lança seu primeiro livro, “Espanador não tira poeira: memórias e aprendizados de uma empregada doméstica”, que acabou de se aposentar, mas não larga mão de seguir trabalhando.

Vera nasceu no Engenho Palma, em Sirinhaém, na Zona da Mata Sul, a 75 km da capital pernambucana, e começou a trabalhar como empregada doméstica aos 12 anos. Dois anos depois, deixou o interior e se mudou para o Recife, carregando nas malas o peso da exploração e das condições precárias do trabalho doméstico.

Ao longo dos anos, enfrentou humilhações, falta de direitos, acusações injustas e preconceito por ser mulher e de origem humilde. Situações de violência simbólica, como ser forçada a comer sobras de comida estragada ou ser impedida de usar os banheiros da casa em que trabalhava — sendo direcionada a instalações precárias — estão entre alguns relatos presentes na publicação.

Mãe solo aos 19 anos de três filhos — uma delas doutora em Medicina Veterinária e outra formada em Química e técnica de enfermagem — a mulher que começou como empregada e se tornou escritora dedicou sua vida a proporcionar um futuro melhor para suas filhas.

Sempre disse a elas: ‘Meu trabalho é digno, mas vocês precisam estudar para não passarem pelas dificuldades que eu enfrentei'”, relembra com emoção.

Nos anos 1990, Vera trabalhou na Biblioteca do Centro de Filosofia e Ciências Humanas – CFCH, no campus da Universidade Federal de Pernambuco, no bairro Cidade Universitária, Zona Oeste da capital pernambucana, limpando os livros com a dedicação de quem reconhece o valor do que está cuidando. Foi nesse ambiente que ela conheceu a professora Silke Weber, que a contratou para limpar sua sala de trabalho, no 12º andar, onde aconteciam as atividades do Programa de Pós-graduação em Sociologia. Foi ali que os caminhos se cruzaram pela primeira vez com Wedna Galindo, docente do Departamento de Psicologia da UFPE, que se tornaria sua parceira e coautora no projeto do livro.

Enquanto realizava seu trabalho, Vera chamou a atenção de Wedna pelo cuidado com que manuseava as obras e pela curiosidade com os títulos. O contato inicial evoluiu para conversas sobre a realidade do trabalho doméstico e a vida de Vera, que, mais tarde, seriam transformadas nas páginas de Espanador não tira poeira.

A cada conversa, percebia que, mesmo sem ser plenamente consciente, Vera estava refletindo criticamente sobre sua própria trajetória e as condições de trabalho que vivenciava”, explicou Wedna.

A produção do livro foi, de fato, uma proposta que surgiu dela mesma. O meu papel foi sempre o de respeitar o desejo de Vera. Eu enxerguei naquele desejo uma grande potência, um potencial transformador, que, se bem conduzido, poderia ganhar vida própria”, concluiu a coautora.

Doutora em Psicologia pela Universidade Católica de Pernambuco, Wedna Galindo tem um extenso histórico de trabalhos com movimentos sociais e projetos voltados para a valorização da memória de grupos invisibilizados. Sua sensibilidade e habilidade de ouvir foram fundamentais para que Vera transformasse suas memórias em um relato poderoso e reflexivo.

Wedna me deu coragem de acreditar que minha história poderia inspirar outras pessoas. Ela sempre dizia: ‘Sua voz importa, Vera'”, conta a autora.

A obra, com 96 páginas, está dividida em cinco partes, que abordam desde sua infância até reflexões sobre dignidade e respeito no trabalho doméstico. O título do livro foi inspirado em sua primeira experiência de trabalho, quando foi injustamente acusada de não limpar os móveis, sem saber que o espanador apenas espalhava a poeira.

Esse título é mais que uma lembrança, é uma metáfora para como sempre fomos tratadas: invisíveis e desvalorizadas”, reflete Vera.

A publicação, que conta com o Selo Mirada, já disponível para pré-venda.

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Com informações da Alma Preta Jornalismo.

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