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(FOTO | Lula Marques | Agência Brasil). |
Um
reencontro de gerações despertou a emoção no segundo dia da semana de
integração para os alunos que acabaram de ingressar na Universidade Estadual da
Bahia (Uneb). Prestes a aposentar-se no fim do ano, o professor do Departamento
de Ciências Contábeis Valdir dos Santos Miranda agradeceu ao ex-aluno mais
ilustre da instituição, o recém-empossado diretor de Fiscalização do Banco
Central (BC), Ailton de Aquino Santos, primeiro dirigente negro da autarquia.
“Parabéns pela posição. Você é um exemplo. Obrigado por representar bem nossa universidade. Estou emocionado desde o momento em que vi sua indicação [para o Banco Central]. Ano que vem, me aposento da universidade com dever cumprido”, diz Valdir emocionado a Aquino, que adiou uma reunião com representantes de bancos para falar por videoconferência direto de São Paulo nessa terça-feira (15).
“Foi você que me deu aula de contabilidade
das instituições financeiras. Sabe o que aconteceu? Vim trabalhar exatamente
com sua matéria. Que questão do destino! Aquilo que você me ensinava no dia a
dia, que eu questionava muito bem. Hoje, quando olho as operações com balanço
de instituições financeiras, quando a gente está estudando derivativos,
operação a termo, operação de crédito, como contabiliza instrumentos
financeiros, só consigo me lembrar do senhor”, responde Aquino, também
emocionado.
Inclusão social
O
novo diretor do BC participou da mesa-redonda “Fiz Uneb: narrativas de lutas e
conquista profissional”, em que ex-alunos ilustres lembram as experiências na
instituição. Entre conferencistas, alunos e mediadores, uma conclusão: a de que
a universidade pública representa um instrumento imprescindível de inclusão
social e de reparação histórica contra camadas excluídas da população.
“Sou do vestibular de 1994, como qualquer
menino do interior da Bahia. Por isso, ressalto a importância de uma
universidade estadual, pública e gratuita. Um menino de Jequié [no sudoeste
baiano], que tinha o sonho de fazer o ensino superior. Acho algo fundamental na
vida de todos nós, e a Uneb me propiciou isso”, diz Aquino, que confessa
certo desconforto em ser chamado de “doutor”
e de “diretor”. “É da liturgia do cargo ser chamado de diretor, mas gosto mais de ser
chamado de Ailton”, ressalta.
Responsável
por fiscalizar as instituições financeiras e acompanhar o cumprimento das
normas, o diretor do BC lembra que saiu do interior da Bahia, aos 17 anos, para
estudar ciências contábeis no campus da Uneb em Salvador, num passado de
dificuldades. “Vim de uma família pobre e
sempre estudei numa escola pública. À noite, como qualquer aluno negro e pobre
do interior da Bahia. A caminhada na Uneb foi muito importante na minha vida”,
recorda.
Professores
Na
primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de que participou, no
início do mês, Aquino fez questão de mencionar aos demais diretores do BC a
trajetória na Uneb. Mesmo com outra graduação em direito por uma universidade
particular em Brasília, especializações em contabilidade, economia, finanças,
engenharia de negócios e uma pós-graduação em direito público por outras
instituições privadas brasileiras, ele atribui o sucesso aos professores da
universidade estadual, citando uma professora que fazia os alunos trazerem
recortes de jornais com temas econômicos para serem debatidos às sextas-feiras.
“Ao sentar-me pela primeira vez no Copom,
para decidir a taxa de juros no Brasil, sempre perguntei o que meus
professores, que são craques em economia, estariam pensando. Todos os que estão
sentados, sem demérito, no Banco Central, estudaram em Harvard, em Yale,
fizeram PUC [Pontifícia Universidade Católica], fizeram doutorado e viajaram o
mundo inteiro. Eu fiz Uneb. Isso me deixa muito orgulhoso e deixei muito claro
para todos”, diz Aquino. Além do cargo no BC, ele integra o Conselho
Curador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Conselho
Fiscal do fundo de pensão dos funcionários do BC.
Aquino
conta ter tomado posse no BC no mesmo dia da formatura na graduação e diz que a
formação em contabilidade lhe trouxe vantagens ao assumir o cargo de auditor da
autarquia. “Quando ingressei no Banco
Central, fui alocado na área de supervisão bancária, de auditoria. O curso de
ciências contábeis tem uma ênfase muito forte na parte de auditoria. Vocês não
têm ideia do impacto disso na minha vida. A tranquilidade em ter saído da
universidade e começar a fazer auditorias em bancos de primeira linha em São
Paulo”, destaca.
Diversidade
O
diretor do BC reconhece o papel histórico ao ser a primeira pessoa negra a
ocupar um cargo de direção no órgão e defende mais programas afirmativos, que
ampliem o acesso da população negra ao ensino superior e a órgãos públicos. Ele
lembrou que, entre 1998 e 2006, a Uneb teve a primeira reitora negra do país,
Ivete Sacramento. A instituição foi a primeira a adotar cotas para estudantes
negros no Brasil, em 2002.
“Lembro que, quando fui escolhido auditor, me
diziam que não havia nenhum negro chefe de departamento no Banco Central. Eu
sempre me pergunto: sou um negro competente ou um competente negro? Tenho
certeza que o que a Uneb me entregou com muita competência, consegui avançar.
E, acima de tudo, sendo negro como grande parte da população brasileira e mais
de 70% da população de Salvador”, diz.
Ao
longo dos anos no BC, primeiro como auditor, depois como chefe da auditoria
interna e como contador-geral, Aquino reconhece sentir falta da diversidade em
cargos de decisão no Brasil. “Ontem
[segunda-feira], saí de uma reunião do Fundo Garantidor de Crédito. É
impressionante como você não consegue se enxergar nesses espaços de poder.
Nessa terça, estive em diversos bancos, e você vê a população negra
completamente alijada, sem espaço nas questões de poder. Em bancos com trilhões
de ativos, vocês percebem que não tem aquilo que representa a população
brasileira”, constata.
Em
uma de muitas viagens ao exterior pelo BC, o diretor diz ter sido confundido
com um representante angolano numa reunião do Banco de Compensações
Internacionais, em Basileia, na Suíça. “A
surpresa do corpo técnico [do BIS] quando falei que vinha pelo Brasil, porque
nunca tinham visto um negro num cargo estratégico do Banco Central brasileiro”.
Otimismo
Para
os atuais estudantes, o diretor recomendou a educação contínua, nunca deixar de
estudar formação teórica. Ele também aconselha aos estudantes negros
dedicarem-se a línguas estrangeiras se quiserem ocupar cargos de decisão. “Outro ponto que eu deixaria claro é que, em
função das nossas origens, de a gente não ter tido as mesmas oportunidades que
outros executivos do Banco Central, é necessário estudar línguas estrangeiras.
Isso é muito importante na nossa vida como servidores, funcionários do Estado, em
bancos de ponta ou em qualquer organização”, comenta.
Apesar
das dificuldades, o diretor se diz otimista em relação à ampliação da
importância do negro na sociedade e, com orgulho, conta que a própria filha
escolheu formar-se em direito pela Uneb. “Falei
na minha posse que sou o primeiro, mas com certeza não serei o único negro na
diretoria colegiada do Banco Central. Tenho uma conexão muito grande com a
Uneb. Tenho uma filha apenas e, por incrível que pareça, mesmo a gente morando
em Brasília, terminou direito na Uneb. Até minha filha quis seguir os caminhos
na própria universidade”, afirma.
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Com informações da Agência Brasil.
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