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Ministros do STF participam da Sessão Solene de Abertura do Ano Judiciário de 2023 (Foto: Rosinei Coutinho - 1º.fev.2023/SCO/STF). |
A
movimentação crescente de diferentes setores da sociedade pela indicação
inédita de uma ministra negra para o STF (Supremo Tribunal Federal) tem a
cautela como fator comum. A preocupação vem de um histórico de ofensivas contra
mulheres, especialmente as negras, para ocupar cargos de poder no país.
Nos
últimos dias, entidades jurídicas, ministros do governo Lula e um integrante do
próprio Supremo se manifestaram publicamente a favor da indicação. A vaga será
aberta com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, que completará 75
anos em maio. Lula, no entanto, afirmou recentemente que “todo mundo
compreenderia” caso ele indicasse seu advogado, Cristiano Zanin —homem e
branco.
A
mobilização a favor de uma mulher negra na corte ganhou força nesta semana, em
meio a manifestações ligadas ao Dia Internacional da Mulher, celebrado na
quarta-feira (8).
Em
entrevista publicada pela Folha, a professora da USP Fabiana Severi,
especialista em direito e gênero, criticou a manutenção pela esquerda de listas
sem mulheres e pessoas negras.
“Ter uma lista de homens brancos vindo
do campo democrático é quase um insulto, porque sabemos que não é uma questão
de falta de conhecimento jurídico, de capacidade e de nomes”,
afirmou.
Como
mostrou a Folha, em quase 40 anos de redemocratização no Brasil, a cúpula da
República contou com 66 homens e só 4 mulheres. Especificamente no STF, só 3
mulheres —contra 26 homens— se tornaram ministras nesse período, nenhuma delas
negra.
Na
quarta, cem entidades do meio jurídico e movimentos lançaram um manifesto pela
indicação de uma ministra negra. No mesmo dia, durante sessão do STF, o
ministro Edson Fachin falou no mesmo sentido.
O
magistrado, ao retomar julgamento no plenário sobre racismo estrutural em
abordagens policiais, citou reportagem da Folha com relatos de juízas negras
mencionando o caso de uma magistrada que precisava mostrar o crachá para
acessar espaços exclusivos para juízes homens.
Os
ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Anielle Franco (Igualdade Racial)
também se posicionaram publicamente a favor de uma mulher negra para o STF.
Na
ocasião, Almeida disse que, apesar de estarem discutindo uma tese central sobre
a questão racial no Brasil, não havia “nenhuma pessoa negra ou mulher negra
discutindo a questão racial naquele plenário”. Depois, afirmou que uma ministra
negra no Supremo “vai ser de importância fundamental, central, para que a gente
comece a discutir a democratização dos espaços de poder no Brasil”.
Já
Anielle Franco afirmou, em entrevista à GloboNews, que pretende pedir a Lula a
indicação de uma negra ao STF.
Juízes
que integram o Enajun (Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros), coletivo
criado há seis anos para aumentar a presença de magistrados negros nas cúpulas
do Poder Judiciário, também trabalham pela indicação de uma juíza negra de
carreira, algo que dizem ser fundamental.
Além
disso, Defensoria Pública e Ministério Público estudam nomes para a corte.
A
articulação por mais representatividade é feita há anos pelos movimentos feminista
e negro.
As
principais barreiras são a falta de apoio em círculos de poder dominados por
pessoas brancas e a necessidade de desconstruir um imaginário em que o notório
saber jurídico, requisito constitucional para indicação, não é visto em uma
mulher negra.
“O racismo institucional e simbólico faz com
que mulheres negras sejam vistas como mulheres que exercem posições menos
prestigiosas. Isso tem a ver com o nosso passado escravocrata recente que gera
nas pessoas a noção de que essas mulheres não devem ocupar espaços de poder”,
diz Luciana Ramos, professora de direito constitucional da FGV Direito São
Paulo.
Juízes
e advogados ouvidos pela Folha afirmam que conversas estão sendo feitas para
avaliar o melhor momento de expor os nomes para a disputa ao STF. Eles afirmam
que existe uma ofensiva contra nomes de pessoas negras tanto por setores da
advocacia quanto por membros do Poder Judiciário e de políticos.
“Nós mulheres negras somos atacadas antes
mesmo de poder colocar as nossas qualidades e expertise na mesa. O nosso receio
é que essas mulheres indicadas recebam ataques desnecessários”, afirma
Maria Sylvia de Oliveira, que assinou o manifesto representando o Geledés –
Instituto da Mulher Negra.
Flávia
Biroli, professora de ciência política da UnB (Universidade de Brasília),
afirma que os movimentos sociais aprenderam a construir redes de proteção para
lidar com ofensivas.
“Quando essas pessoas estão em evidência e
colocam em xeque o caráter racista dessas instituições de poder, elas sofrem
ataques muito acentuados. Isso acontece com as mulheres e especialmente com as
mulheres negras”, diz.
Biroli
afirma ainda que é preciso estabelecer limites à violência política, conforme
prevê lei sancionada em 2021, identificando autores e cobrando as plataformas
onde esses ataques acontecem para que as candidatas não sejam atingidas.
Luciana
Ramos (FGV) acrescenta que o racismo e machismo institucionais também afetam a
permanência das mulheres nesses espaços.
“Temos um número de juízas que está longe do
ideal e o preconceito que elas sofrem dos advogados, jurisdicionados e pelos
próprios pares, particularmente na segunda instância, é brutal”, afirma.
Desde
1891, o STF teve apenas três ministros negros em sua composição (o último foi
Joaquim Barbosa, que se aposentou em 2014), e apenas três ministras mulheres,
duas em exercício: a ministra Rosa Weber, que preside o STF e se aposenta em
outubro, e a ministra Cármen Lúcia. A primeira foi Ellen Gracie, no ano 2000.
A
professora de direito e advogada Ecila Moreira de Meneses, integrante da
executiva nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, um dos
movimentos que articularam o manifesto, afirma que o histórico de ministros
homens e brancos na corte criou um imaginário de que as vagas são para homens
brancos.
“Mesmo que tenha duas mulheres no STF, isso
ainda não significa representatividade em relação ao perfil da sociedade
brasileira. Tivemos alguns ministros negros, eles saíram e essas vagas foram
ocupadas por pessoas brancas. Não houve o cuidado em consolidar a vaga de uma
pessoa negra. O que nós queremos é ampliar as vagas das ministras”, diz.
Segundo
Marco Aurélio de Carvalho, do Grupo Prerrogativas, a entidade está engajada em
pautar o debate, mas vai apoiar qualquer escolha do presidente Lula.
“Embora sejamos signatários do manifesto, o
que nós queremos é que o presidente Lula considere no universo das possíveis
pessoas, juristas negros e negras”, afirma.
Para
Oliveira (Geledés), as mulheres negras vêm dando contribuições relevantes para
que seja pensado um novo pacto civilizatório.
“Nós [mulheres negras] conhecemos bem a
sociedade brasileira. Através das nossas lutas e proposições trazemos
contribuições significativas para a promoção de direitos humanos no Brasil,
porque nós somos a parcela da população que mais sofre o impacto dessas
violações”, diz.
Ela
afirma ainda que se o país pensa em avançar e desmantelar o racismo, para além
de falar, é preciso que o Estado brasileiro, representado pelo governo Lula,
tome atitudes. “Uma ação importantíssima
é nomear uma mulher negra para o STF e sinalizar o real interesse do Estado e
do sistema de Justiça de aderir a luta antirracista.”
Lígia
Batista, nova diretora-executiva do Instituto Marielle Franco, afirma que a
indicação de uma ministra negra seria uma quebra de paradigma, porque o sistema
de justiça brasileiro é historicamente racista e excludente.
“É fundamental que na corte suprema, o mais
alto nível do Judiciário, possamos ter uma jurista negra, por entender, que do
ponto de vista simbólico, essa representação nos ajuda a pensar em formas de
superação do racismo e do machismo”, diz.
___________
Publicado originalmente na Folha de S. Paulo e reproduzido no Geledés.
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