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Glória Maria posa para retrato no restaurante do Copacabana Palace, no Rio - Ricardo Borges-3.abr.2018/Folhapress. |
Até
a década de 1970, os negros eram raríssimos na televisão brasileira. Nas
novelas, atores do calibre de Ruth de Souza eram relegados a papéis
secundários. No jornalismo, então, o cenário era ainda mais desolador.
Pretos
e pardos ainda são sub-representados na nossa TV, mas é inquestionável que suas
presenças aumentaram muito nos últimos anos. Nos noticiários, hoje temos
figuras de peso como Maju Coutinho, Heraldo Pereira, Aline Midlej, Zileide
Silva, Joyce Ribeiro, Flávia Oliveira, Márcio Bonfim, Abel Neto, Adriana Couto
e tantos outros. E todos têm uma espécie de dívida com a pioneira Glória Maria.
Natural
do bairro carioca de Vila Isabel, ela já era formada em jornalismo pela PUC
quando apareceu na tela da Globo pela primeira vez. Mas de uma maneira
inusitada: Glória era princesa do bloco carnavalesco Cacique de Ramos, que se
apresentou no programa Discoteca do Chacrinha. O apresentador foi com a cara
dela, e a indicou para um estágio na emissora.
Já
contratada, Glória Maria fez sua primeira grande reportagem em novembro de
1971, cobrindo o trágico desabamento do elevado Paulo de Frontin. Não demorou
para cair nas graças do público. Fez entrevistas históricas nos anos seguintes,
de Freddie Mercury, durante o primeiro Rock in Rio, em 1985, ao general João
Baptista Figueiredo, o último ditador do regime militar.
“Ele não me suportava”, contou ela a
Pedro Bial numa entrevista de 2020. “Passei
todo o governo Figueiredo ouvindo ‘tira aquela neguinha da Globo daqui’.”
Foram
vários os episódios de racismo que a jornalista enfrentou ao longo da carreira.
Num Roda Viva exibido em 2022, ela conta que até mesmo suas filhas, adotadas em
Salvador em 2009, sofriam ataques racistas no colégio. “Nada blinda uma mulher preta do racismo, nem mesmo a fama”,
afirmou.
Mesmo
com tantos obstáculos, Glória Maria chegou a ancorar programas importantes como
o RJTV (noticiário local do Rio de Janeiro), o Jornal Hoje e o Fantástico, onde
permaneceu de 1998 a 2007. Tirou então um período sabático e se afastou do
vídeo por dois anos. Retornou apresentando o Globo Repórter, primeiro ao lado
de Sérgio Chapelin e, depois, de Sandra Anneberg. Comandou in loco diversos
episódios do programa, até ser diagnosticada com um câncer no cérebro em 2019.
Glória
percorreu o mundo fazendo reportagens. Esteve na Palestina, na Nigéria e no
sultanato de Brunei. Gabava-se de ter conhecido mais de 200 países –seus
colegas brincavam que ela deveria ter ido a algum outro planeta, já que não
chegam a 200 as nações e territórios da Terra.
Sua vida amorosa sempre foi agitada, com muitos namorados –muitos deles, estrangeiros. No final da década de 970, teve um relacionamento com João Roberto Marinho, filho do fundador da Globo, Roberto Marinho. Mas a grande paixão de sua vida eram mesmo as filhas adotivas, as irmãs biológicas Maria, atualmente com 14 anos, e Laura, com 13.
Durante
muito tempo, Glória Maria recusou-se a revelar sua idade, o que alimentou um
vasto folclore ao seu redor. Chegou a jurar que havia nascido em 1959, mas a
informação não se sustentava: se fosse correta, teria estreado na Globo com
apenas 12 anos de idade. Na verdade, nasceu em 15 de agosto de 1949. Mas sua
genética privilegiada sempre lhe deu a aparência de alguém muito mais jovem.
Glória
Maria removeu um tumor maligno no cérebro em 2019 e, desde então, diminuiu o
ritmo de trabalho. Teve Covid-19 em 2022, e sua última aparição no Globo
Repórter foi em agosto passado. Uma metástase no pulmão fez com que fosse
internada no dia 5 de janeiro.
Morreu
aos 73 anos de idade, e deixa uma enorme lacuna. Afinal, foram mais de 50 anos
no ar, na emissora de maior audiência do país. Suas entrevistas em tom
descontraído geravam imediata empatia com o público. Seu pioneirismo também
abriu portas para várias gerações de jornalistas negros. E sua carreira
admirável é um exemplo de dedicação e coragem para todos os profissionais da
área.
_______
Com informações do Geledés.
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