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(FOTO/ Reprodução/ Boitempo). |
Conheci
o autor de Sub-humanos: o capitalismo e a metamorfose da escravidão, livro de
enorme força crítica, quando pude acompanhar sua corajosa atuação, como
procurador do Trabalho, na Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho
Escravo do Ministério Público do Trabalho. Foi exercendo intensamente essa
vivência que Tiago Muniz Cavalcanti pôde mergulhar nos grotões do país onde
proliferam as mais distintas formas de escravidão que ainda hoje maculam e
singularizam nossa tragédia social. Foi essa atuação prática, adensada por uma
rigorosa pesquisa acadêmica, que resultou nesta obra, uma viva radiografia dos
tantos vilipêndios que talham o solo social brasileiro, o qual parece incapaz
de se desvencilhar da escravidão.
Vale
recordar que tivemos uma exceção a essa chaga: as comunidades indígenas
pré-coloniais. Nelas, havia o exercício de um trabalho comunal e autônomo em
que se trabalhava para viver (e não se vivia para trabalhar, como no
capitalismo). A vida dos povos originários objetivava a fruição e a felicidade
comum e não a exploração, a escravidão e a riqueza privada. Foi o mundo europeu
(e eurocêntrico), nos inícios da acumulação primitiva, que nos impôs uma “nova
civilização” cujo leitmotiv não era outro senão saquear nossas riquezas e
alavancar uma produção de mercadorias visando ao enriquecimento privado da
burguesia mercantil nascente, a qual não teve escrúpulos em recorrer ao
trabalho escravizado para incrementar os próprios lucros.
Desenvolveu-se,
no seio de nossa sociedade ainda juvenil, a modalidade mais aviltada e abjeta
de trabalho que conhecemos e que, desde então, vem criando novas formas de
escravidão. Basta recordar que os homens e as mulheres negras, após a abolição,
foram excluídos das principais atividades assalariadas urbano-industriais e
relegados aos porões da escravidão doméstica e de outras tantas atividades
subterrâneas.
Tiago
Muniz Cavalcanti, em Sub-humanos, com rara felicidade, consegue atar os fios
dessas perversas engrenagens econômico-sociais, que principiaram com a
escravização colonial e teimam em se perpetuar contemporaneamente. Articulando
com maestria o ontem e o hoje, desvenda o que denominou taxonomia da
escravidão, com suas expressões aberrantes, como: o escravo pela força, o escravo
precoce, o escravo sexual, o escravo pela exaustão, o escravo pela degradância
e o escravo pela servidão.
Ao
proceder assim, o autor desnuda essa miríade quase interminável de “modalidades
multifacetadas de trabalhos sub-humanos”, presente no escravismo colonial
(“propriedades com alma”), passando pelo neocolonialismo e chegando até o
capitalismo atual, com sua “subcivilização e sub-humanidade”. Para enfeixar os
laços da dominação pela aberração, Cavalcanti realiza uma contundente crítica
ao direito, cujo papel principal tem sido o de legitimar as tantas sujeições.
Na última parte de Sub-humanos – “O amanhã” –, o autor oferece suas pistas
sobre como adentrar no difícil e polêmico desafio: como começar a confrontar,
para superar, o capitalismo atual.
Estamos
diante de uma obra que será um importante marco para os estudos críticos e o
combate à escravidão contemporânea.
Escravidão,
servidão e outras formas de trabalho compulsório são parte da história de
sociedades antigas e pré-modernas. Mas como explicar a permanência desse tipo
de opressão e violência na contemporaneidade? Em Sub-humanos, o procurador do
trabalho Tiago Cavalcanti faz uma impactante reflexão sobre as várias faces da
exploração do trabalho em diferentes conformações sociais, com destaque para a
sociedade capitalista atual. Indo além da análise jurídica, o livro propõe um
olhar crítico à trajetória histórica do trabalho humano e busca alternativas
que possibilitem uma vida digna e realmente livre para todos.
Na
primeira das três seções que compõem a obra, Cavalcanti examina a ausência de
liberdade e a negação da humanidade nas sociedades pré-capitalistas. A segunda
seção se dedica à análise da exploração do trabalho nas sociedades
contemporâneas. Aqui, o autor empreende uma classificação da classe
trabalhadora em duas categorias, os semilivres e os sub-humanos, de acordo com
os níveis de liberdade e humanidade presentes nas relações de trabalho atuais,
investigando as metamorfoses que conferiram um novo feitio social às
escravidões de outrora.
Na
terceira seção, a reflexão aponta para o futuro. Sem a pretensão de propor
soluções fechadas e milagrosas, a obra abre uma janela para a criação de um
amanhã de liberdade e humanidade e a garantia de uma existência digna para a
toda a comunidade global.
“Este é um dos livros mais notáveis de sociologia e de teoria crítica do direito que li em tempos recentes. Tiago Cavalcanti permite-nos restituir uma nova credibilidade ao estudo e ao uso emancipador do direito como uma das formas ou dos campos de luta a que se deve recorrer para conquistar os objetivos da autodeterminação dos povos e da justiça social – justiça não só nas relações entre seres humanos, mas também nas relações entre seres humanos e a restante vida do planeta. Por todas essas razões, não poderia recomendar mais vivamente este magnífico trabalho.” – BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
O
livro de Tiago Muniz Cavalcanti tem prefácio de Boaventura de Sousa Santos,
texto de orelha de Ricardo Antunes e capa de Antonio Kehl (sobre montagem com
foto de Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo). Sub-humanos faz parte da coleção Mundo
do trabalho, coordenada por Ricardo Antunes.
__________
Por Ricardo Antunes, originalmente na Boitempo.
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