Francisca Luiz e Isabel Antônia foram perseguidas pela Visitação do Santo Ofício no século 17 por serem “sodomitas”. Aos tribunais da Inquisição declararam ter uma “amizade” de treze anos e que se “agasalharam” uma na casa da outra.
Benedicta
Maria Albina da Ilha era uma escravizada que vivia na corte do Rio de Janeiro,
mas fugia sempre. E a toda vez que se evadia, tentava mudar de nome para viver
longos períodos em liberdade, se passando por forra e liberta. Por vezes se
apresentava como Benedicta, por vezes como Olívia. Nunca saberemos seu
verdadeiro nome.
Gertrudes
Maria: lutou por cerca de 30 anos em João Pessoa, na Paraíba, por sua liberdade
e a de sua família. Nós a conhecemos por causa do longo que processo que abriu
contra seus proprietários. Ficou livre apenas com 60 anos.
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Afra Joaquina, aqui na tela da artista Monica Ventura. (Imagem/ Divulgação). |
Martinha
era uma escravizada que tinha visões e comandava procissões, intitulando-se
Santa Maria Mártir. Em 1860 a mãe dela foi alforriada por conta das visões da
filha que já virara, a essas alturas, uma entidade no Pará.
Rainha
Marta era líder dos quilombos de Iguaçu, na província do Rio de Janeiro,
cuidava das roças de mandioca e atuava como intermediária nas trocas mercantis
entre quilombolas e taverneiros. Agregou liderança e prestígio sendo
reconhecida como rainha do quilombo em que vivia.
Luiza
Pinta era uma preta forra, natural de Angola que foi presa em Sabará pela
Visitação do Santo Ofício no ano de 1872, acusada de ser feiticeira calundeira.
Testemunhas diziam que dançava com uma grinalda na mão e fazia curas,
consideradas pela inquisição como obra do demônio.
Xica Manicongo aparece nos registros da visitação da Inquisição, na Bahia, como Francisco Manicongo. Ela pertencia a um sapateiro, no século 17. Foi acusada de usar o ‘ofício de fêmea’ e de trajar vestido. Acabou condenada em sua época, mas hoje é símbolo do movimento LGBTQIA+ no Brasil.
Teodora
Dias da Cunha foi submetida a interrogatório em 1867, por causa do crime
cometido pelo escravizado Claro Antônio dos Santos, que trazia consigo sete cartas
ditadas por ela. Teodora era escravizada em Limeira, por um senhor cujo
sobrenome adotou. Foi separada de seu marido e filhos, e nas cartas (cujos
endereços dos destinatários desconhecia) dizia querer unir-se a eles para que
voltassem à África juntos.
A
africana Afra Joaquina vivia em Salvador e era casada com seu ex-senhor, o
liberto Sabino Francisco Muniz, também de origem africana, o qual pagou pela
liberdade da esposa. Quando morto, entre 1870 e 1872, o marido deixou todos
seus bens para Afra, que prosperou e comprou seus próprios escravizados,
prometendo-lhes a alforria.
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Rainha Marta era líder dos quilombos de Iguaçu, no Rio de Janeiro. (Imagem/ Divulgação). |
Narcisa
Ribeiro conheceu de perto o apogeu do ouro e da intolerância de Minas Gerais
colonial. Ela viveu em Vila Rica de Ouro Preto, pertencia ao sacristão Diogo
Pereira e ganhou fama local por andar pela cidade “bem tratada com saias de camelão e chinelas, como se fosse senhora”.
Narcisa foi submetida entre 1748 e 1749 a uma devassa pública por conta de suas
“atitudes escandalosas”. Narcisa
incomodou a sociedade colonial local com sua liberdade.
Adelina
Charuteira era escravizada e vivia de fabricar e vender o produto que lhe
formava a alcunha. Aprendeu a ler e escrever e duas vezes ao dia ia ao centro
de São Luís do Maranhão oferecer seu produto. Entre lendas e memórias consta
que o conhecimento dela sobre as ruas da cidade fez com que articulasse fugas
de escravizados, contribuindo também para a manutenção dos povoados
quilombolas.
Acotirena
e Aqualtune foram lideranças femininas em Palmares onde a presença feminina foi
descrita no documento “Relações da guerras feitas aos Palmares em Pernambuco”
escrito entre 1675 e 1678. Elas cuidavam da logística transportando alimentos,
pólvora e armamentos, bem como cuidando dos feridos. Além do mais combatiam
lado a lado com os homens.
Ambrosina
atuava como ama-de-leite em Taubaté (SP) no final do século 19. Foi acusada de
assassinar Benedito, filho dos patrões, tendo preferido amamentar seu próprio
rebento; também de nome Benedito. Ela, porém, se defendeu na justiça.
Essas
são algumas das 550 histórias contadas no livro “Enciclopédia Negra” (ed.
Companhia da Letras), que pesquisei e escrevi junto com os autores Flávio Gomes
e Jaime Lauriano.
Recuperar vozes do passado e dar vida e alma a elas, superar a invisibilidade de nossa história, incluir as mulheres com suas trajetórias de vida e lutas cotidianas faz parte da agenda de um Brasil que precisa ser mais plural e inclusivo.
É
hora de qualificar nossa democracia que só existirá de verdade quando
superarmos esse racismo estrutural — pois se apresenta em todas as áreas da
sociedade — e institucional na medida em que faz com que naturalizemos
perversamente a desigualdade e a hierarquia.
A
escravidão moderna foi uma criação europeia, assim como o racismo científico e
aquele que reaparece no nosso dia a dia. Por isso, cabe a todos nós atuar como
aliados nessa que é uma agenda cidadã: o combate ao racismo. A questão não é
moral, mas propositiva e antirracista.
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Por Lilia Moritz Schwarcz*, publicado
originalmente no Universa.
*Antropóloga, historiadora, professora da USP e de Princeton e autora dos livros “Brasil: Uma Biografia”, “Sobre o Autoritarismo Brasileiro” e da recém-lançada “Enciclopédia Negra” – todos pela Companhia das Letras.
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