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Sued Carvalho. (FOTO/ Reprodução/ Facebook). |
A escritora e historiadora Sued Carvalho, natural de Juazeiro do Norte, na região metropolitana do cariri, em entrevista ao Blog Negro Nicolau falou sobre sua quarta obra, a História em Quadrinhos (HQ) intitulada “Olhos Felinos” que é desenhada pelo artista visual e conterrâneo Victor Vladimir.
Olhos
Felinos conta a história da garota Samila, de Juazeiro do Norte, mas que reside
em Iguatu onde se sente deslocada. Sua mãe, solteira, é bastante religiosa e
que vê com desconfiança a introversão da filha, sempre achando que sua rebenta
está “escondendo algo”.
A
obra sairá com o selo do coletivo Satirika, um coletivo de escritores e
quadrinistas de esquerda da região do Cariri que visa dar mais espaços de
exposição e divulgação destas artes na região e construir um novo regionalismo,
baseado no Cariri contemporâneo.
Sued
já tem três livros publicados: As Desventuras
de João Basílico (2014), Pálida
(2017) e Ninguém na Empresa Planeta
Terra (2020).
Confira
abaixo a entrevista com a escritora sobre a História em Quadrinhos “Olhos Felinos”:
Blog Negro Nicolau (BNN) - Como
surgiu a proposta de escrever essa história?
Sued Carvalho - Eu e o Victor queríamos trabalhar em algo mais leve, que pendesse mais para o mainstream, mas dentro da visão que temos de “Novo Regionalismo”, muito cara ao coletivo Satirika, que irá financiar a publicação. Tanto eu quanto ele gostamos de super-herói e esse é o sub-gênero mais mainstream do momento que vivemos, então acabamos desenvolvendo essa história. Demorou basicamente um ano para a história tomar essa forma, conversamos durante todo o ano de 2019, mas só sentimos que havia algo substancial a trabalhar no início de 2020, quando iniciamos a publicação mensal em formato de série na revista mensal da Satirika, interrompida pela pandemia. Foi um processo bem natural e espontâneo, eu diria.
BNN
-
Por que a opção por narrar nesse formato? Teria como público alvo a juventude?
Sued - Eu sempre fui fã de quadrinhos, porém nunca havia trabalhado com a nona arte. Quis me desafiar com esse projeto, ao mesmo tempo o Victor Vladmir é quadrinista profissional. Juntamos o útil ao agradável e o gibi sairá em março. Não pensamos, necessariamente, em público algo, até porque mesmo dentro desse tipo de narrativa existem os mais diversos públicos.
BNN
-
Você destaca que a obra visa construir um novo regionalismo, baseado no Cariri
contemporâneo ao pensar uma história de super-herói que fuja dos estereótipos
referendados pela chamada “tradição”. Que tipo de heroína seria a Samila?
Sued - Nós
temos alguns exemplos de Hqs de super-heróis feitas por nordestinos, e todos
estão presos a estereótipos que não representam mais o Nordeste, o Ceará e o
Cariri. Existe, por exemplo, O Cangaceiro, um desses personagens. Com todo
respeito aos idealizadores desse personagem, ele não representa o cotidiano
contemporâneo encontrado nas cidades nordestinas. Então, Samila, a nossa
protagonista, é uma jovem do interior do Ceará, mas é, também, uma garota que
vive no Século XXI, assiste Netflix, escuta pop, consome produtos cujo status
foi construído por um mercado globalizado que padroniza cada vez mais os
costumes e os ideais do que é considerado belo, admirável ou desejável. Não
estamos, na história, fazendo apologia do consumismo ou do neoliberalismo,
claro, somos artistas socialistas, estamos apenas constatando um fato. Criar
uma super-heroína representativa, que seja atraente aos leitores do interior do
Ceará em nossos dias passa longe de falar de cangaceiros, chapéus de couro ou
cabras da peste.
Samila,
nossa protagonista, consegue poderes sobrenaturais e se torna uma vigilante
chamada que passa a ser conhecida como Visagem, o nome pelo qual ela passa a
ser chamada, quando coloca sua máscara, é uma gíria nordestina, porém ela usa o
tipo de roupas acessíveis a uma jovem de sua idade em nosso tempo. Assim como
tem a consciência e lida com os problemas de um interior do Ceará inserido no
mercado global, com todas as desigualdades decorrentes dessa relação.
BNN
-
A história também toca no crescimento da presença das igrejas neopentecostais
na política, que você coloca como um ‘problema contemporâneo’. Em que momento
da narrativa isso aparece e de que forma influencia na vida da personagem
principal?
Sued - Esse
é um ponto definidor na História, pois o mistério principal é relacionado a uma
Igreja que vem crescendo de forma estranhamente rápida na cidade, algo anormal
ronda o pastor da denominação. Então não vou dar spoilers aqui, mas basicamente
todo o mistério gira em torno da Igreja e sendo a mãe de nossa protagonista
adolescente uma mulher bastante religiosa, o tema está em todos os espaços
retratados nas páginas.
BNN
-
Como foi o processo de construção da obra?
Sued
- Foi
bastante tranquilo, eu iniciei a escrita dos roteiros ao mesmo tempo que o
Victor ia desenhando os primeiros esboços para dar materialidade às ideias.
Enquanto eu criei o enredo, as personalidades das personagens e os nomes,
Victor criou os perfis visuais, assim como a “roupa de super-herói” da Visagem.
A partir dai eu escrevia os roteiros, enviava para ele, que adaptava para os
quadrinhos. Um problema que tivemos no início é que eu estava fazendo roteiros
muito longos, fazendo com que Victor tivesse de cortar algumas cenas, porém com
o tempo esse dilema foi resolvido e eu fui diminuindo os roteiros. Mas, no
geral, eu e ele temos a mesma intenção e as mesmas visões sobre a História.
BNN
-
Como você conheceu o Victor Vladmir, responsável pelos desenhos da HQ?
Sued - Conheço
Victor há bastante tempo, acho que temos uns seis anos de amizade. Nos
conhecemos nos cine-cafés organizados pela Sétima no Centro Cutural do Banco do
Brasil, em 2016 nós fomos membros fundadores do Coletivo Satirika e somos,
também, militantes da Unidade Popular pelo Socialismo em Juazeiro do Norte. Eu
sempre fui muito fã do trabalho dele, inclusive usei uma obra de sua autoria em
uma atividade em sala de aula, a “Necessária Ignorância”. Quando pensei em
trabalhar em uma HQ, não consegui pensar em ninguém melhor do que Victor
Vladmir para ilustrá-la.
BNN
- Que
lições aqueles/as que lerão a história de Samila poderão adquirir?
Sued - Não sei que lições podem tirar. Talvez “Lugar de pastor é na Igreja, não no congresso” talvez, mas essa sou eu. Eu acho mais fácil responder o que o público pode esperar, que é uma história divertida, fluída e que vai render bons momentos.
BNN
-
Com o que eles/as podem se surpreender?
Sued - Primeiro, com a dinâmica das páginas do Victor, pois em uma revista em quadrinhos não apenas o que está nos balões é narrativa, mas o sequenciamento de imagens também, então eu acho que isso é algo positivo em nossa história, a ação e o sequenciamento são dinâmicos; Segundo, somos de esquerda, somos socialistas, então nossa super-heroína não apenas impede assaltos, mas também enfrenta policiais que agridem pessoas pobres, abusando de sua autoridade; Terceiro, modéstia parte eu adoro o roteiro, acho que fiz bem meu trabalho e desenvolvi bem a história, e me diverti muito também. Acho que as leitoras e leitores também irão se divertir.
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