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Adilson Moreira aponta "tradição de pensamento" que associa raça e crime. (FOTO/ Reprodução/ RBA). |
Caso
recente ocorrido em Curitiba, em que uma juíza vinculou criminalidade e raça,
causou uma rápida onda de repúdio, mas “está muito longe de ser um caso
isolado” de racismo no Judiciário brasileiro, diz o advogado e professor
Adilson José Moreira. “Na verdade, expressa uma maneira como muitos membros do
sistema judiciário pensam”, afirma o autor de livros como Racismo Recreativo
(coleção Femininos Plurais, 2019) e Pensando como um negro – Ensaio de
hermenêutica jurídica (Contracorrente, 2019).
O
pesquisador relata já ter encontrado várias decisões com teor semelhante.
Segundo ele, há uma “tradição de
pensamento, dentro da criminologia, que faz essa associação entre raça e
tendência ao crime”. Além disso, existe a repetida presença dos estereótipos,
falsas generalizações, que ele divide em duas características básicas:
descritivas (supostas características) e prescritivas (lugares, funções que
determinados grupos devem ocupar na sociedade). Assim, a ideia da
periculosidade do negro “é um dos elementos
centrais do imaginário brasileiro”.
Há “estudos” do início do século passado
que faziam essa relação. ”Nenhum estudo
contemporâneo, contudo, comprova maior inclinação dos negros para o cometimento
de crimes, comparativamente aos brancos”, contesta o sociólogo Sérgio
Adorno, em artigo de 1996. “Ao contrário,
desde fins da década de 1920, alguns estudos americanos já haviam demonstrado o
quanto preconceitos sociais e culturais, em particular o racismo, comprometiam
a neutralidade dos julgamentos e a universalidade na aplicação das leis penais.”
Crime e punição
Pesquisa
desenvolvida por Adorno com base em dados de 1990 no município de São Paulo
mostrou algumas dessas diferenças. Considerando apenas casos de roubo
qualificado, havia, por exemplo, maior incidência de prisões em flagrante para
réus negros (58,1%) comparativamente a brancos (46%).
“Tal aspecto parece traduzir maior vigilância
policial sobre a população negra do que sobre a população branca”, observa.
Havia ainda maior proporção de réus brancos respondendo a processo em liberdade
(27%) em relação aos negros (15,5%). A certa altura, o autor conclui que “se o crime não é privilégio da população
negra, a punição parece sê-lo”.
Em
julho, durante seminário organizado pelo Conselho Nacional de Justiça, o
próprio CNJ divulgou levantamento no qual se prevê que a equidade racial na
magistratura brasileira só será alcançada em 2044. Uma mudança significativa de
cálculo: em 2014, se projetava que isso aconteceria em 2018.
“Um dos pontos que entendemos como
absolutamente necessário para ser tratado pelo CNJ é a questão do racismo e da
participação de magistrados negros no Poder Judiciário”, disse a
conselheira Candice Lavocat, presidenta da Comissão Permanente de Políticas
Sociais e de Desenvolvimento do Cidadão. Segundo o CNJ, em 2018 apenas 18,1%
dos magistrados se declaravam negros ou pardos. Do total de juízes, só 6% eram
mulheres negras.
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