Sede da Câmara de Altaneira (esq.) e da Prefeitura (dir.). (FOTOS/ Nicolau Neto). |
As eleições de 2020, previstas para novembro, definem os prefeitos e vereadores que vão formar o governo municipal de 2021 a 2024. Nas cidades, os vereadores representam o poder Legislativo, responsável pela criação e votação das leis, e por fiscalizar o trabalho do prefeito. Este é o principal representante do poder Executivo, responsável pela administração e os recursos do município.
O
prefeito escolhe os secretários e faz as nomeações. Os vereadores fazem a
fiscalização dos gastos e contas da prefeitura, e decidem também o orçamento da
cidade, que é apresentado pelo prefeito. Em caso de irregularidades, os
vereadores também podem pedir o impeachment (afastamento) do prefeito do cargo.
De
acordo com o tamanho da cidade a Câmara dos Vereadores pode ter entre nove e 55
vereadores, sempre em número ímpar para evitar empate nas votações. Tanto
vereadores quanto prefeitos têm papel importante na luta antirracista e na
aplicação das pautas do movimento negro, pois são responsáveis por grande parte
das políticas públicas nas áreas de saúde, assistência social, educação básica
e meio ambiente, entre outros.
“Do ponto de vista dos direitos básicos, a
Prefeitura e Câmara deveriam ser a presença mais próxima do Estado na vida do
cidadão. Elas, prefeituras e câmaras, são base fundamental no enfrentamento do
racismo estrutural brasileiro e do racismo do dia-a-dia”, explica o
educador Douglas Belchior, integrante da Coalizão Negra por Direitos.
Belchior
destaca também que vereadores e prefeitos devem atuar no combate à violência e
ao racismo nas forças policiais. “Embora a segurança pública seja uma
prerrogativa do governo estadual, com a polícia militar e a polícia civil, as
prefeituras hoje têm uma importante incidência na segurança pública local com
as guardas municipais, que muitas vezes reproduzem a lógica militarizada,
violenta e racista do modelo estadual”, sustenta.
Na
educação, por exemplo, as prefeituras devem investir mais para que a lei 10.639
seja cumprida, principalmente no ensino básico. A lei federal, de 2003, tornou
obrigatório o ensino da História e da Cultura Afro-brasileira nas escolas.
O
escritor, ator e jornalista Oswaldo Faustino defende que uma gestão
antirracista nos municípios poderia nortear os projetos de desenvolvimento das
cidades. “Se existir uma real preocupação
com a justiça social e a convivência mais harmônica entre seus munícipes,
prefeito e vereadores têm que pensar políticas públicas e ações resultem em medidas
antirracistas”, pontua.
Faustino
acrescenta que essas políticas devem iniciar na própria educação antirracista,
passando por medidas que garantam equidade nas ações de segurança, no setor
responsável pela saúde, no transporte, entre outras áreas. “Enfim, a melhora do IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano) não pode ser vista como custo, mas como investimento.
Investimento que começa localmente, mas que certamente atrai empresas e
investidores internacionais. Combater o racismo é um forma positiva de melhorar
o IDH. e vice e versa”, complementa.
Para o sindicalista João Carlos Gonçalves Juruna, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e secretário-geral da Força Sindical, as prefeituras e câmaras de vereadores podem tomar medidas efetivas de combate ao racismo. “O município poderia desenvolver uma campanha cultural valorizando a cultura afro-brasileira, proposta de políticas afirmativas. Para a diminuição das desigualdades, eles poderiam focar o orçamento para melhorar a infraestrutura das periferias nas áreas de saneamento, transporte e moradia”, pondera.
Entre
1997 e 2000, a Prefeitura de Belo Horizonte (MG) contou com a atuação de uma
Secretaria para Assuntos da Comunidade Negra. A titular da pasta foi a ativista
Diva Moreira. Ela diz que a criação de um órgão voltado à questão racial foi
uma iniciativa importante da gestão municipal.
“Mudou completamente a relação das pessoas
com a cidade. Foram vários avanços sociais. A gente trabalhava diretamente com
as comunidades mais pobres e periféricas, entendendo as demandas por um outro
viés e criando políticas públicas efetivas para combater a desigualdade e o
atraso. Foram campanhas de saúde, de alimentação, criação de escolas técnicas.
Eu acredito que foi um modelo vitorioso, que deveria se repetir em muitas
outras cidades, mas como secretaria mesmo, com orçamento e poder de decisão
igual as outras. Não adianta ser uma departamento ou uma coordenação dentro de
uma pasta e sem recursos”, reforça Diva.
Negros nas prefeituras e câmaras municipais
Cerca
de 56% da população brasileira se autodeclara como negra (preta ou parda),
segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nas últimas
eleições municipais, em 2016, no entanto, apenas 29% dos prefeitos eleitos eram
negros e negras. Já nas câmaras municipais, 42% dos vereadores eram negros.
Para tentar corrigir essa disparidade, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu em agosto que os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) passem a ser distribuídos pelos partidos de forma proporcional entre as candidaturas de negros e brancos a partir de 2022. Nesta semana, em 10 de setembro, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a medida passe a valer já para o pleito de 2020.
“Para mim, não há nenhuma dúvida de que
políticas públicas tendentes a incentivar a apresentação de candidaturas de
pessoas negras aos cargos eletivos, nas disputas eleitorais que se travam em
nosso país, prestam homenagem aos valores constitucionais da cidadania e da
dignidade humana”, escreveu Lewandowski na decisão.
O
TSE avaliou a reserva proporcional de recursos para postulantes negros e
brancos após uma consulta apresentada pela deputada federal Benedita da Silva
(PT-RJ), que também é pré-candidata à prefeita do Rio de Janeiro.
Para
o cientista político Danilo Serejo, da comunidade quilombola de Alcântara, no
Maranhão, uma forma de fortalecer os direitos da população negra nas
prefeituras e câmara legislativas municipais são as candidaturas negras
coletivas. “O legislativo e o executivo
são espaços de privilégios da branquitude, portanto, têm como características
maior o individualismo. Os mandatos coletivos negros são capazes de oferecer
alguma resposta pra isso hoje, ou de alguma forma sacudir essas estruturas
levando a sociedade entender que é preciso quebrar o privilégio branco, fio
condutor dessas instituições”, considera.
Serejo
avalia que os partidos de esquerda, por si só, não têm profundidade na
elaboração de políticas de combate ao racismo. “Todos os partidos de esquerda têm extrema dificuldade em pautar efetivamente
o racismo nas suas práticas. Este debate nos partidos ainda fica no plano da
retórica midiática e discursiva. Nada muito além disso. Ao cabo, sucumbem aos
corporativismos”, avalia o cientista político.
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