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A "nega metida": a construção de lugares e não lugares para as mulheres negras. (FOTO/ Reprodução/ Geledés). |
Nessas
incansáveis buscas por leituras e informações me deparei com uma entrevista da
escritora Conceição Evaristo em que ela falava sobre as suas obras refletirem
um momento do pós-abolição, de dor; que gostaria de escrever sobre essa geração
de pessoas afro-brasileiras que não passou por dificuldades ou por certas
dores. Eu ouvi essas palavras e guardei no meu pensamento.
A
grande questão é que por mais que nossas mães, pais e familiares nos poupem das
mazelas do mundo, invistam em educação e etc., vem a sociedade brasileira
racista, patriarcal e classista com os seus lugares e não lugares para essa
geração de negros e negras, me refiro especificamente de como o ideal do mito
da democracia racial age na vida das mulheres negras com o fenômeno da “nega
metida”. Para além disso, esse sistema possui a estratégia de isolar essas
mulheres e fazer com que elas se sintam culpadas.
A
mídia retrata pessoas negras como escravo, como pessoas que sofrem, ou como
aquele negro estereotipado na imagem do jogador de futebol. Quando esses
elementos caricatos não estão presentes parece que o negro está fora do lugar
que foi destinado e criado para ele.
Quem tem medo das mulheres negras?
Ao
não estar no lugar que socialmente é destinado para as mulheres negras, as
mesmas despertam muitos questionamentos, um deles é a respeito da formação
acadêmica. Eu geralmente faço um exercício deixando a pessoa adivinhar e é
muito interessante observar o desconforto e as palavras que vão sendo
proferidas.
Já
fui chamada de muitas coisas: “preta rica”, “socialista da Carmem Steffens”,
“burguesa” e etc. Quando entrei para os movimentos sociais teve gente que se
atreveu a me chamar de “nêga”, dizem que é uma forma carinhosa de lidar, mas a
gente sabe muito bem o que isso significa: se trata dos lugares e não lugares.
Lélia Gonzalez nos lembra muito bem que “negro tem que ter nome e sobrenome,
senão os brancos arranjam um apelido…ao gosto deles.”. (BAIRROS, p. 2, 1998)
Lourenço
Cardoso em seu trabalho de doutorado intitulado O branco ante a rebeldia do
desejo: um estudo sobre a branquitude no Brasil diz
O branco, em que a identidade racial significa virtude, subordinado ao negro, em que a identidade racial significa malogro, evidencia sua decadência. Ele torna-se o branco que decaiu da própria branquitude, torna-se fracassado. O fato torna-o menos branco, porque desvia do significado de que ser branco é ser virtuoso. (CARDOSO, p.101, 2014)
Um
ponto importante é sobre a diferença de humildade e subserviência, ao se
distanciar do que a sociedade projeta para uma mulher negra, a mesma não é
humilde, pelo contrário é metida. Ao investir em nossos projetos pessoais, fazer
nossos cursos de idiomas, nossas viagens, sermos reservadas, viver a nossa
vida, parece que estamos sendo egoístas, exigem da gente humildade.
O isolamento da mulher negra como
estratégia do sistema racista-patriarcal
Eu
lembro de uma frase que a educadora Doutora Azoilda Loretto falou uma vez num
encontro, o qual eu tive a sorte de estar presente “o maior ato revolucionário
que uma mulher negra pode ter é se cuidar.”. O que ela quis dizer com isso foi
pra gente ficar viva, se amar e isso é o que de mais lindo podemos fazer pela
gente.
Existe
um sistema pronto para desumanizar as mulheres negras e isso é atentar contra a
nossa dignidade, retirar nossa condição humana. Mulher negra pode não querer
pensar nas tristezas do mundo? Pode sim. Pode ir para Disney? Com certeza. Pode
ir comer no japonês? Óbvio. E gostar de vida boa? Gente, quem não gosta? E ser
uma pessoa introspectiva, séria? Pode muito. Falar diversos idiomas? Adoro.
Pode ser Doutora? Sim. Pode ser bailarina clássica? Obviamente. Pode ter cabelo
crespo e ser advogada? Sim.
Por
fim, espero que esse texto sirva como acalanto e ao mesmo tempo um alerta para
aqueles que tentam deslegitimar as mulheres negras todos os dias, enfatizando
que não existe um padrão de mulher, muito menos de mulheres negras, somos
muitas e somos diversas. E realmente não estamos interessadas em agradar
ninguém e nem a se enquadrar nos rótulos que reservam para nós.
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Por
Ellen Mendonça Silva dos Santos. Publicado originalmente no Portal Geledés.
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