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Dois anos depois do relatório da
Comissão da Verdade, Dilma Rousseff
foi derrubada, lembrou a psicanalista. (FOTO/ Reprodução).
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“O
autoritarismo nunca acabou, ele recrudesce. Não só a ditadura, mas também a
oposição à ditadura está muito viva. Há uma politização da sociedade pelo lado
da esquerda. Não são só restos da ditadura que estão voltando (com a eleição e
as práticas do presidente Jair Bolsonaro), mas também uma força, uma energia
popular para não permitir esses desmandos todos.”
A
opinião é da psicanalista Maria Rita Kehl, na abertura dos Seminários Avançados
propostos pelo curso de Estado, Governo e Políticas Públicas, da Fundação
Perseu Abramo (FPA) e Flacso Brasil, na noite desta terça-feira (17), com o
seminário “Psicanálise e política: O que resta da ditadura?”
Pelo
fato de enxergar uma politização da sociedade e uma reafirmação da tradição da esquerda e centro-esquerda
libertárias brasileiras de lutar por direitos, contra a opressão e a tortura,
ela afirmou estar otimista. Por outro lado, a realidade mostra “resquícios” da
opressão. Exemplo: “nossas polícias continuam militarizadas”.
O
contexto, de acordo com Maria Rita, mostra que, embora tenha sido eleito,
Bolsonaro “está se deslegitimando a cada vez que ataca uma parte da população
brasileira”. “Ele ataca todo mundo, atraca os gays, os índios, os camponeses, e
os trabalhadores não ataca diretamente, mas com medidas (como) falta de aumento
de salário”.
Na
sua opinião, o presidente ataca tantos setores da sociedade que parece provável
que, assim como na segunda metade da década de 1970, a mobilização continue e
aumente, diante das ameaças à democracia, à liberdade e aos direitos. “Não
basta democracia com voto, mas democracia com redução da desigualdade.”
Para
ela, o próprio Exército brasileiro “está mais comprometido com a democracia do
que o presidente”. No entanto, para que haja retrocesso para um cenário mais
autoritário do que se mostra com o governo atual, “talvez não seja preciso um
golpe militar”, acrescentou, porque a sociedade elegeu uma pessoa “com uma
voracidade autoritária muito perigosa”.
Ela
lembrou também que o sucessor de Michel Temer tem o menor índice de aprovação
entre os presidentes em primeiro mandato desde Fernando Collor (1990-92).
Maria
Rita comentou também o fato de que, como a Comissão da Verdade (CV), da qual
foi membro, não tinha poder de condenar, o apoio da população ao colegiado foi
pequeno. Durante o período de funcionamento da CV (2011-2014) surgiu a “teoria
de dois lados, nas confusas passeatas de 2013”, segundo ela. “De repente
(aquelas manifestações) viraram nada, mas um nada poderoso, e pela primeira
vez, lá, vi cartazes pedindo intervenção militar, (com) a Comissão da Verdade
ainda trabalhando”.
Ela
destacou que “a grande consequência” da CV foi, ao fim e ao cabo, a derrubada
da então presidente da República, Dilma Rousseff. “Dois anos depois do
relatório da comissão, ela caiu.” Segundo a interpretação de Maria Rita, a
ideia de que houve crimes cometidos tanto pela ditadura quanto pela esquerda
que lutava contra ela “fortaleceu a teoria dos dois lados”.
“O
Brasil foi o único país dos que tiveram ditadura na América do Sul que terminou
com um acordo entre civis e militares”, lembrou, em referência às consequências
da anistia ampla. “Aceitou-se o acordo para os dois lados e os generais ficaram
impunes”.
A
psicanalista observou que, na Argentina, por exemplo, os julgamentos de torturadores
continuaram por muito tempo, abrangendo todos os escalões. “Até guardinha de
cidades do interior foram julgados”, disse.
No
Brasil, pontuou, em consequência da solução a que se chegou, de anistia para os
dois lados, foi criada depois “uma teoria errada que estabeleceu que eram dois
lados em luta e houve vítimas dos dois lados”. Mas, para ela, em uma guerra se
justifica a ideia de que são dois lados em luta, o que não foi o caso do
período iniciado em 1964 no Brasil. “Numa ditadura, de um lado é o Estado com
todo o seu poder, até de matar, e de outro pessoas defendendo a liberdade.
Mesmo que peguem em armas, é pra defender a democracia.”
Os
encontros da FPA serão realizados todas terceiras terças-feiras do mês. Abertos
ao público, serão transmitidos ao vivo pela TevêFPA.
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Com informações
da RBA.
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