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Roberto Anaral. (Foto: Ivan Russo/Reprodução/Brasil de Fato). |
O
governo já disse a que veio e ninguém pode alegar surpresa: a insanidade foi
anunciada na campanha. A direita, desconsolada pelos insucessos dos governos
Jânio e Collor, demagogos tomados de empréstimo, respectivamente, à UDN e às Organizações Globo, entrou na raia
com o capitão Messias que já vinha a galope, embalado pela caserna e as
clássicas forças do atraso.
Deu
no que deu.
Era
a vez da extrema-direita que nos foi dado merecer.
A
eleição do capitão paraquedista afastado do Exército pelas portas dos fundos —
‘mal militar’ segundo o general Ernesto Geisel –, ironicamente ensejou a volta dos militares ao
governo, dispensado, ao menos provisoriamente, o uso da tropa.
Os
ritos do formalismo legal foram observados na abertura de caminho para o
autoritarismo com que sonham setores atrasados da sociedade, como a turba que
nos anos recentes ocupou ruas e praças
pedindo intervenção militar, ignorante do que foram os idos da ditadura e seu
legado de violência e desatinos que compreenderam prisões arbitrárias, tortura
e assassinatos.
Aliás,
a emergência de uma massa reacionária no início desta década, de cuja
existência não desconfiávamos, é ainda uma esfinge desafiando a esquerda
socialista.
A
força do “bolsonarismo” (aqui compreendendo o establishment, que ele diz
combater mas com o qual governa) está à vista e não se reduz ao apoio popular,
objetivado nas urnas. Está no Congresso (onde acaba de empalmar as presidências
das duas Casas (numa das quais com a ajuda de partidos do campo da esquerda) e
na maioria dos governos estaduais, a começar pelas principais economias do
país.
O
novo governo — uma heterogênea coalização de forças dentre as quais o
bolsonarismo é apenas um dos elementos –, conserva o apoio que na campanha lhe
emprestaram setores majoritários do Poder Judiciário, à frente o STF, onde
pontificam excelências como Gilmar Mendes, Luiz Fux e Dias Toffoli, e já pontificou a ex-presidente Carmen Lúcia,
dando sombra a conhecidos juízes de piso, um dos quais agraciado com uma
sesmaria. Outro contemplado com benesse foi o general Villas Bôas, a quem o
capitão tributa sua vitória.
O
sistema dispõe do Ministério Público, no plano federal e nos planos estaduais e
tem ao seu lado o aparato policial repressivo. E ainda conta com a
solidariedade de setores organizados da
sociedade, como a grande maioria das seitas neopentecostais, que, ao lado da
imprensa (com uma ou outra exceção, como CartaCapital), desempenharam papel
relevante na campanha eleitoral, não obstante suas contradições comerciais.
Conta
o governo com o apoio do deus mercado, essa criatura onisciente, invisível e onipresente, que tudo pode, e o aplauso do sistema
financeiro, mais preocupado com a bolsa de Nova York; conta com a simpatia da banca internacional,
e tornou-se peça relevante na estratégia político-militar dos EUA de Donald
Trump, a quem esse Brasil se oferece como preposto junto aos seus vizinhos.
Esse
novo governo, que é de fato um novo regime, em face de sua composição e de seu
projeto, não é adversário a ser desprezado, nem seu calcanhar de Aquiles são as
ligações perigosas da famiglia que o capitão chefia, ainda quando estas possam
leva-lo ao mesmo destino que ceifou as ambições do antigo morador da Casa da
Dinda. Esses novos êmulos de PC Farias
são removíveis a qualquer momento em nome da Causa, que está acima de tudo e de
todos, e cuja conservação independe do atual locatário do Palácio do Planalto.
O
tosco e burlesco Bolsonaro é uma contingência.
Insisto: falcatruas que começam a ser desvendadas
precisam ser denunciadas pelo que pode vir a ser a oposição que ainda não
temos, mas esse não deve ser o centro de nosso combate, que nos cobra a
denúncia do caráter antinacional e reacionário do governo tutelado pelo
Exército. Esta denúncia é que deve ser nosso alvo e nela devemos concentrar
todos os esforços.
Nascido
de uma aliança civil-militar, o novo regime desenvolve, no entanto, grave
projeto de desconstrução que beira as
raias da traição nacional, pois abdica da defesa de nossos interesses, renuncia
aos nossos sonhos de soberania e independência, atrela nosso futuro aos
interesses de uma potência estrangeira em guerra pela hegemonia política e
militar do planeta, e desestabiliza aquelas áreas que respondem pelo
desenvolvimento de um país: o Estado, a ciência, a tecnologia, a inovação, o
setor energético (donde a privatização da Eletrobrás e a destruição da
Petrobras, com a venda de seus ativos na bacia das almas), a alienação da
indústria aeroespacial com a venda da Embraer (e com ela a doação de seu
know-how adquirido com recursos públicos), a desarticulação do programa
espacial e a entrega da Base de Lançamentos de Alcântara aos EUA, em condições
até aqui secretas.
Não
há diálogo possível nem com este governo nem com seus apoiadores.
Faz
parte de seu projeto a destruição, em marcha, do ensino, entregue a um
celerado, a perseguição às universidades, ameaçadas de privatização, o ensino
público gratuito ameaçado de extinção em benefício dos privilegiados, o desprezo pela proteção ambiental, as ameaças
aos bancos estatais voltados ao desenvolvimento econômico e social, o
desestímulo à produção cultural, o desprezo pelos direitos humanos, e o
incentivo à violência, a desestabilização da sociedade envenenada pela pregação
autoritária que alimenta os conflitos. A
liberação da posse e, amanhã, do porte de armas é, tão-só, um indicador do que
está por vir.
Em
processo de desmonte está nossa capacidade de defesa, entregue à conveniência
dos interesses dos EUA.
Em
tão poucos dias, a coalizão civil-militar desmoralizou nossa política externa,
e transformou uma das dez maiores potências econômicas do mundo em uma
republiqueta irrelevante a serviço dos interesses do Pentágono.
Enquanto
cuidamos das esquisitices dos parvos, o
núcleo do poder se volta para o essencial,
a desmontagem da base econômica que assegurou o que até aqui foi logrado
como avanços econômicos e sociais.
Enquanto cuidamos dos coadjuvantes, os atores centrais – e um deles é o
ministro Paulo Guedes – seguem empenhados em desmontar nossa economia, impedir
qualquer sorte de desenvolvimento autônomo, decididos a aprofundar nossa
dependência ao capital financeiro internacional.
A
política antinacional do ministro da Economia, porém, é apontada como a
fiadora, interna e internacionalmente, do que ainda chamamos de ‘governo
Bolsonaro’, e a ela e ao seu condutor não têm faltado, apesar das
andanças e falações do vice Mourão, o apoio da corporação militar.
Grato
pelo apoio recebido no planejamento de sua candidatura e na campanha, o capitão
não teve dúvida em partilhar o governo com seus chefes hierárquicos, até porque
esta é a condição objetiva para a conservação do poder (ou de suas aparências),
condicionada pela sua eventual
habilidade de, trapezista em corda bamba, governar sendo governado.
É na
denúncia desse projeto que se devem unificar as forças de oposição. Sem medo de
retomar suas bases ideológicas, cumpre
às esquerdas se antepor à pregação da extrema-direita. Ou seja, cabe à
esquerda – de especial à esquerda socialista–, retomar o discurso, as teses e
as ações organizativas abandonadas desde 2002, quando a perspectiva do poder nos levou, nas eleições daquele ano e a
seguir no governo, a uma aliança com a direita partidária, ao preço de
concessões político-ideológicas, a primeira das quais foi a renúncia aos nossos
princípios e aos projetos que então justificavam, e justificam ainda hoje,
nossa existência, independentemente da leitura dialética da realidade, que nos
cobra novas reflexões e a coragem de mudar paradigmas em conflito com o mundo
real.
Faz
parte do projeto da extrema direita, como seu aríete, a destruição do orgulho nacional, porta
aberta para o desânimo que leva ao conformismo, quando mais do que nunca a
Historia exige a resistência na luta, que nos cobra, para além da retórica, a
ação de massas – dependente dos sindicatos, silentes – e a proposta de um
projeto alternativo que explicite nossa contraposição ao projeto da
extrema-direita, mediante formulação clara, discutida e construída com a
sociedade.
Ou
seja: a difícil volta às bases.
Estamos
em face de um governo lesa-pátria, organizadamente, planejadamente,
ideologicamente empenhado na desconstrução do país. Este é, portanto, o verdadeiro alvo da oposição com os pés na
terra e a vista no horizonte.
Cabe
à oposição, e de forma especial à esquerda, saltar da tática simplesmente
reativa para a ação direta, rejeitar a pauta imposta pela direita e recolocar
na ordem do dia os temas que nos interessam como, entre tantos outros, reforma
do Estado, redistribuição de renda, desenvolvimento autônomo e criação de
empregos, defesa da economia nacional e soberania.
No
combate a esse governo não pode haver trégua, nem composição com seus aliados.
Para enfrentar esta conjuração contra a Pátria (cuja defesa é tão séria que não
pode ficar cingida aos militares) o único meio de que dispõem as forças
populares, ainda desarticuladas, é a Frente Ampla que deve abraçar todas as
forças que neste momento se alinhem contra o statu quo. Isso quer dizer que a
Frente, porque necessariamente ampla, se não pode ser simplesmente uma
coligação de esquerda, muito menos pode
compreender, em qualquer alternativa, a composição com forças que
compõem a coalizão governista, inclusive no Congresso.
Infelizmente,
há setores importantes da esquerda socialista e da centro-esquerda que ainda
não entenderam o quadro que as circunstâncias nos impõem, e, por isso mesmo,
não sabem identificar nem seus aliados nem seus adversários. (Por Roberto
Amaral, em seu site).
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