Passado
pouco mais de um ano da destituição de Dilma Rousseff, a persistência das
crises política e econômica, o desencanto das ruas, da opinião pública e,
pasme-se, dos próprios arautos do processo, clama-se por soluções lapidares. Os
criadores, ao olharem para a criatura dos espólios do “impeachment”, arvoram
uma nova tese: “Precisamos é de parlamentarismo”.
Por
David Carneiro, na CartaCapital - Motivos
não faltariam. “O presidencialismo é responsável por crises constantes”. “O
presidencialismo não permite a solução de impasses”. “O presidencialismo gerou,
entre nós, uma crise de representatividade sem precedentes”. E por aí vai.
Haveria, no entanto, corroboração para a descoberta da fonte de todos os males
e, da mesma forma, da fórmula para a solução de todos os problemas?
Em
estudo realizado ainda em 2004, a respeito da formação de coalizões e do
sucesso legislativo sob o presidencialismo e o parlamentarismo, Antônio
Cheibub, Adam Przeworski e Sebastian Saiegh contribuem, ao menos, para
relativizar o fatalismo em relação aos sistemas presidenciais.
Segundo
os autores, cuja base de dados incluiu praticamente todas a democracias de 1946
a 1999, não haveria diferenças acachapantes entre os dois sistemas no que diz
respeito ao sucesso na formação de coalizões. Da mesma forma, a conexão entre a
formação de coalizões e o sucesso legislativo nos dois sistemas seria no mínimo
dúbia.
Também
não prospera a autocongratulação do atual ocupante do Palácio do Planalyo,
Michel Temer, de que até o início de seu “governo”, o Legislativo, sob o
presidencialismo, seria apenas um apêndice do Executivo.
Contra
a tese de um executivo presidencial “sobranceiro”, como têm mostrado diversos
trabalhos, a exemplo do livro “O Presidencialismo de Coalizão”, de Andreia
Freitas, todos os governos da Nova República, para o bem ou para o mal e a
despeito dos métodos, funcionaram por meio de amplas negociações, divisões de
poder e responsabilidade entre poderes e partidos integrantes das coalizões
governamentais.
Em
terceiro lugar, os problemas geralmente associados ao “presidencialismo” no
debate das últimas semanas parecem pouco ter a ver com um sistema fechado e
indivisível cuja a abstração atira-se agora, circunstancialmente, ao altar do
desespero político. Na verdade, estão muito mais relacionados a variações
institucionais, padrões culturais e escolhas políticas feitas nas últimas
décadas.
Mantidos
os sistemas eleitoral e partidário atuais, o parlamentarismo seria implementado
em um arranjo que, com todas as suas eventuais vantagens, possui consideráveis
incentivos para o personalismo e a dispersão. Votaríamos também em um sistema
partidário de mais de trinta partidos distintos, nenhum deles dominante, poucos
com programa político bem definido.
Desta
maneira, ao fim da apuração, seriam grandes as chances de não identificarmos os
vencedores, tampouco um programa político vencedor. A situação não seria tão
inédita nem tão trágica em cenários que, apesar da fragmentação, conduzissem à
maior dominância ou à maior clareza ideológica.
Não
é o nosso caso. E o mais irônico é pensar que Temer, um dos proponentes do
“parlamentarismo”, foi há pouco tempo o pai intelectual do “distritão”, que, se
adotado, representaria um golpe maior ainda no sistema partidário.
De
maneira que, mantidos ou piorados, os sistemas eleitoral e partidário, segundo
o programa de Michel Temer, não há razões para crer que a formação dos
governos, sob o parlamentarismo, dar-se-ia de forma qualitativamente distinta.
Em bom português, não há uma única evidência, ao menos incontroversa, que aponte
que a patronagem ou a corrupção política arrefeceriam pela simples adoção de um
outro sistema.
Muito
menos pelo esvaziamento do poder presidencial por meio de um
“primeiro-ministro” indicado pelo próprio presidente, modelo oportunamente
alcunhado de “semipresidencialismo” de ocasião.
A
esse respeito, aliás, ressalvado o fatalismo inverso, para o qual o
“parlamentarismo” representaria sempre a alienação popular, têm razão aqueles
que lembram que, na nossa história recente, o voto no presidente tem sido um
importante instrumento de quebra dos controles oligárquicos, sendo menos
sujeitos às patronagens locais e mais aberto ao conteúdo programático.
Arriscar
alienar essa conquista, sem sinais claros do desfecho e efeitos da reforma
política ora em curso, é arriscar não resolver problema algum, às custas de se
poder criar muitos outros.
Não
são apenas as evidências e a prudência
que recomendam rechaçar a agenda do parlamentarismo tal qual
apresentada, mas os próprios termos de seus proponentes. Carregados de “non
sequiturs” e platitudes, sem qualquer compromisso reformista mais sólido e mais
amplo, quem insuflou num passado recente a instabilidade oferece agora um
regime para curá-la. O que é oferecido está longe, porém, de ser um programa
político. Trata-se de um cheque em branco e há poucas razões para
assiná-lo.
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Dante de Oliveira, em 1984, discursa a favor da emenda das Diretas Já. Foto: Divulgação. |
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