Do ONUBR
O
alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, pediu
que a região da América Latina e do Caribe aproveite as oportunidades e
iniciativas previstas na Década Internacional de Afrodescendentes para promover
uma melhoria concreta na vida das pessoas de ascendência africana.
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Participantes reunidos ao final do encontro. Foto: Mariana Tavares. |
“Dez
anos para reverter cinco séculos de discriminação estrutural? A discriminação
racial tem profundas raízes cultivadas no colonialismo e na escravidão, e se
nutre diariamente com o medo, a pobreza e a violência. São raízes que se
infiltram de forma agressiva em cada aspecto da vida – desde o acesso à
educação e alimentos até a integridade física e a participação nas decisões que
afetam fundamentalmente a vida de cada pessoa. Uma década é muito pouco”,
disse Zeid.
Zeid
participou do encerramento, na última sexta-feira (4), da Reunião Regional para
a América Latina e Caribe da Década Internacional de Afrodescendentes da ONU,
realizada em Brasília nos dias 3 e 4 de dezembro.
O
encontro contou com a participação de mais de 150 representantes de Estados
nacionais da região, organizações regionais, instituições nacionais de direitos
humanos, organismos para a igualdade e representantes da sociedade civil, em
particular as pessoas de ascendência africana e agências especializadas das
Nações Unidas e mecanismos da região. Ao final da reunião, foi aprovada a
Declaração da Conferência Regional da Década Internacional de Afrodescendentes
– ou “Declaração de Brasília” –, disponível ao final da matéria.
O
alto comissário lembrou que, com a abolição da escravatura, veio liberdade –
mas grande parte da estrutura social profundamente discriminatória nunca foi
derrubada e permanece até hoje.
“Atualmente, existem mais de 150 milhões de
pessoas de ascendência africana na América Latina e no Caribe – cerca de 30% da
população. Mesmo assim, os afrodescendentes em grande parte da região são quase
invisíveis nos corredores do poder – econômicos, acadêmicos, profissionais ou
políticos, a nível local ou nacional. As altas taxas de desigualdade persistem”,
disse o chefe de direitos humanos da ONU.
“Historicamente e na atualidade, as pessoas
de ascendência africana têm sido os principais contribuintes para o
desenvolvimento e a prosperidade de suas sociedades e nações, mas a elas foi
negada sua parte justa dos dividendos. Pelo contrário, os seus direitos humanos
foram violados para que outros pudessem prosperar.”
Zeid
pediu aos Estados que respeitem os seus compromissos e obrigações nos termos do
direito internacional dos direitos humanos e usem todas as ferramentas à sua
disposição para promover progressos concretos na promoção dos direitos dos
afrodescendentes. Estas ferramentas incluem a Declaração e o Programa de Ação
de Durban e o quadro fornecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas para a
Década Internacional, bem como tratados internacionais de direitos humanos. Os
temas para a Década – que teve início em 2015 e segue até 2024 – são
Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento.
“O reconhecimento trata de se reconhecer e
compreender, concretamente, a extensão e profundidade do racismo e da
discriminação racial enfrentados por pessoas de ascendência africana. Trata-se
de fazer os afrodescendentes e sua história, sua cultura e suas realizações
visíveis nos currículos da educação, em livros didáticos e na arena cultural. O
reconhecimento também significa sensibilizar funcionários do Estado, inclusive
nos domínios da aplicação da lei e da justiça, para evitar a discriminação
racial e a brutalidade policial. E isso significa garantir justa e adequada
reparação e satisfação por qualquer dano como resultado de tal discriminação,
tal como exigido pela Declaração e Programa de Ação de Durban”, disse ele.
“Na esfera da justiça, os afrodescendentes
têm relatado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que, mesmo quando
eles são vítimas de crimes, não apresentam queixas formais à polícia porque
simplesmente não confiam nas instituições estatais e temem sofrerem nova
violência. Isso é terrivelmente infeliz, mas não surpreendente, dado o uso desproporcional
da força contra as pessoas de ascendência africana, particularmente homens
jovens; sua sobre-representação entre a população prisional; e a discriminação
racial endêmica e discriminação que enfrentam no contato com oficiais da lei. A
justiça trata do combate à impunidade, ao aplicar a lei prontamente e de forma
transparente contra os policiais que usam a força letal injustificada e
violência desproporcional”, acrescentou Zeid.
O
alto comissário da ONU para os Direitos Humanos pediu aos Estados que garantam
que mulheres e homens afrodescendentes sejam parceiros ativos na concepção de
iniciativas de desenvolvimento.
“Tem havido uma negligência histórica e falta
de investimentos públicos em bairros e regiões que são predominantemente
afrodescendentes. Isso precisa ser revertido em parceria com as comunidades”,
disse ele.
No
final da reunião, os delegados adotaram uma declaração que relembra o Programa
de Atividades da Década Internacional e reafirma seu compromisso com a plena
implementação da Declaração e Programa de Ação de Durban a nível nacional,
regional e global. Além disso, reafirma o apoio à criação do Fórum de Pessoas
Afrodescendentes e apoia a elaboração de um projeto de Declaração das Nações
Unidas, destacando a importância de iniciar o trabalho o mais rapidamente
possível. Estados-membros da ONU também se comprometeram a adotar políticas de
ação afirmativa de modo a atenuar e corrigir desigualdades no exercício dos
direitos humanos no acesso à educação e ao emprego, de acordo com as particularidades
de cada país.
“Entramos na Década Internacional de
Afrodescendentes com uma imensa carga de injustiças históricas e contemporâneas
de tal forma que é difícil não se curvar sob o peso de desespero”, disse
Zeid. “No entanto, nós temos aqui uma
oportunidade para ajudar a fortalecer as comunidades de ascendência africana e,
com elas, reforçar a estabilidade, a democracia, o Estado de Direito, a
governança, a segurança e o desenvolvimento de toda a região da América Latina
e do Caribe. Devemos aproveitar esta oportunidade para explorar o potencial
inexplorado destas comunidades até então invisíveis. Que nos comprometamos a
usar esses 10 anos para dar um passo à frente.”
O
encontro debateu, entre outros temas, o apoio à negociação de um projeto de
declaração das Nações Unidas sobre a promoção e o pleno respeito dos direitos
humanos das pessoas afrodescendentes e à convocação da IV Conferência Mundial
contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Conexas de
Intolerância.
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