Mais
de 80 empresas estão envolvidas em espionagem e delação de quase 300
funcionários, segundo levantamento feito pela Comissão Nacional da Verdade. O
intuito era sufocar qualquer movimento sindicalista que estivesse sendo gestado
entre os trabalhadores de grandes montadoras, como Volkswagen, Chrysler, Ford,
General Motors, Toyota, Scania, Rolls-Royce, Mercedes Benz, e também de outros
setores, como a Brastemp, a estatal Telesp, a Kodak, a Caterpillar, a Johnson
& Johnson, a Petrobras, a Embraer e a Monark – todas elas concentradas no
ABCD paulista e no Vale do Paraíba.
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Plenária final da conclat (hoje CUT), em agosto de 1981. Laercio Miranda (Memória Sindical). |
Entre
os nomes mais conhecidos da lista de 297 pessoas, encontrada nos documentos do
Arquivo Público do Estado, estão o de Paulo Okamotto, que foi diretor do
Sebrae, o presidente do Conselho Nacional do Sesi, Jair Meneguelli, e Vicente
Paulo da Silva, que foi presidente da CUT. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva também aparece nos registros, identificado como líder sindical pela
Volkswagen em informação divulgada na semana passada pela Reuters. No registro
do informante da Volks sobre Lula, dizia que os metalúrgicos estavam
insatisfeitos com "as medidas do
governo em geral", e cita como exemplo o Banco Nacional de Habitação
(BNH) e um decreto impopular assinado pelo general João Figueiredo que retirou
os auxílios de alimentação e transporte dos funcionários, bem como férias, 13º
salário, participação nos lucros e promoções.
As
empresas justificavam o controle e a colaboração com o regime pela suposta
ameaça comunista dos movimentos sindicais. Desde citar os nomes de quem
organizasse atos sindicalistas ou vendesse jornais na porta da fábrica, até
qualificar algumas mortes como acidentes de trabalho quando de fato não o eram.
A polícia, em muitos casos, chegava a receber das companhias milhares de folhas
de registros dos empregados que estiveram presentes em greves ou manifestações,
com todos os seus dados pessoais, o que poderia levar hoje a processos civis
desses funcionários (dos que ainda estão vivos ou de seus familiares) contra as
empresas. Não se sabe, porém, se esses dados serviam para evitar futuras
contratações por outras empresas ou simplesmente para coleta. Segundo os
especialistas, é bastante provável que tenham que ressarcir os afetados, já que
não estão amparadas pela lei de Anistia (n.6.683, 1979), que perdoou aqueles
que cometeram crimes durante o regime militar no Brasil (1964-1985).
"Os empresários podem ser acusados por crimes
de lesa humanidade; 40% dos mortos e desaparecidos durante a ditadura são
trabalhadores", afirma Sebastião Neto, ex-preso político e um dos
pesquisadores do grupo de trabalho “Ditadura
e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical”, da Comissão
Nacional da Verdade. Ainda não se sabe quais deles foram efetivamente detidos
por causa da denúncia do empregador. Entre os que chegaram a ser torturados e
mortos, também não se sabe ao certo se sofreram tudo isso pela investigação no
local de trabalho ou por sua relação com organizações políticas.
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Ferramenteiros concentram-se em frente ao prédio AutoLatina, da Ford. /Januário F. Silva. |
Descobrir
o fim de cada um dos nomes não vai ser possível até 16 de dezembro, data
prevista para o fim dos trabalhos da CNV. Mas o próximo passo, segundo explicou
a advogada Rosa Cardoso, coordenadora do grupo de pesquisa, será convocar
representantes de empresas e trabalhadores envolvidos para depor nas comissões
municipais, "principalmente a de São
Bernardo do Campo, que concentra a maior parte das empresas informantes",
explicou.
Na
Argentina, já há casos de empresas que foram processadas por delatar
funcionários e colaborar com a ditadura. Durante a coletiva organizada pela
CNV, a doutora Victoria Basualdo, que pesquisa a participação empresarial na
prática de graves violações de direitos dos trabalhadores na América Latina, da
Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais, explicou o caso de seu país.
Segundo ela, há quatro empresas imputadas em seu país por colaboração com o
último regime ditatorial (1976-1983): Ledesma (fabricante de açúcar), a
mineradora Aguilar, a transportadora La Veloz del Norte e a fabricante de
automóveis Ford. Caso se crie um precedente, outros casos poderão ser julgados.
"Não se trata apenas de uma transferência de dinheiro entre empresas e
Estado. O que houve foi uma colaboração ativa na repressão", explica a
especialista. Nosso vizinho perdeu aproximadamente 30.000 vidas em suas várias
ditaduras (entre 1930 e 1983 foram cinco); no Brasil, ainda não há consenso
sobre quantos morreram durante os anos de chumbo.
Publicado
originalmente no brasil.elpais
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