Das
sessões de tortura aos fantasmas da ditadura, o cinema brasileiro
invariavelmente volta aos anos do regime militar para desvendar personagens,
fatos e consequências do golpe que destituiu o governo democrático do país e
estabeleceu um regime de exceção que durou longos 21 anos. Estreantes e
veteranos, muitos cineastas brasileiros encontraram naqueles anos histórias que
investigam aspectos diferentes do tema, do impacto na vida do homem comum aos
grandes acontecimentos do período.
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Cena de Batismo de Sangue. (Reprodução). |
Embora
a produção de filmes sobre o assunto tenha crescido mais recentemente, é
possível encontrar obras realizadas durante o próprio regime militar, muitas
vezes sob a condição de alegoria. “Terra em Transe”, de Glauber Rocha,
é um dos mais famosos, retratando as disputas políticas num país fictício. Mais
corajoso do que Glauber foi seu conterrâneo baiano Olney São Paulo, que
registrou protestos de rua e levou para a tela em forma de parábola, o que olhe
custou primeiro a liberdade e depois a vida.
Os
onze filmes que compõem esta lista, se não são os melhores, fazem um
diagnóstico de como o cinema retratou a ditadura brasileira.
1. MANHÃ CINZENTA
(1968), Olney São Paulo – Em plena vigência do AI-5, o cineasta-militante Olney
São Paulo dirigiu este filme, que se passa numa fictícia ditadura
latino-americana, onde um casal que participa de uma passeata é preso,
torturado e interrogado por um robô, antecipando o que aconteceria com o
próprio diretor. A ditadura tirou o filme de circulação, mas uma cópia
sobreviveu para mostrar a coragem de Olney São Paulo, que morreu depois de
várias sessões de tortura, em 1978.
2. PRA FRENTE, BRASIL
(1982), Roberto Farias – Um homem comum volta para casa, mas é confundido com
um “subversivo” e submetido a sessões de tortura para confessar seus supostos
crimes. Este é um dos primeiros filmes a tratar abertamente da ditadura militar
brasileira, sem recorrer a subterfúgios ou aliterações. Reginaldo Faria
escreveu o argumento e o irmão, Roberto, assinou o roteiro e a direção do
filme, repleto de astros globais, o que ajudou a projetar o trabalho.
3. NUNCA FOMOS TÃO FELIZES (1984),
Murilo Salles – Rodado no último ano do regime militar, a estreia de Murilo
Salles na direção mostra o reencontro entre pai e filho, depois de oito anos.
Um passou anos na prisão; o outro vivia num colégio interno. Os anos de
ausência e confinamento vão ser colocados à prova num apartamento vazio, onde o
filho vai tentar descobrir qual a verdadeira identidade de seu pai. Um dos
melhores papéis da carreira de Claudio Marzo.
4. CABRA MARCADO PARA MORRER
(1984), Eduardo Coutinho – A história deste filme equivale,
de certa forma, à história da própria ditadura militar brasileira. Eduardo
Coutinho rodava um documentário sobre a morte de um líder camponês em 1964,
quando teve que interromper as filmagens por causa do golpe. Retomou os
trabalhos 20 anos depois, pouco antes de cair o regime, mesclando o que já
havia registrado com a vida dos personagens duas décadas depois. Obra-prima do
documentário mundial.
5. O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?
(1997), Bruno Barreto – Embora ficcionalize passagens e
personagens, a adaptação de Bruno Barreto para o livro de Fernando Gabeira, que
narra o sequestro do embaixador americano no Brasil por grupos de esquerda, tem
seus méritos. É uma das primeiras produções de grande porte sobre a época da
ditadura, tem um elenco de renome que chamou atenção para o episódio e ganhou
destaque internacional, sendo inclusive indicado ao Oscar.
6. AÇÃO ENTRE AMIGOS (1998),
Beto Brant – Beto Brant transforma o reencontro de quatro ex-guerrilheiros, 25
anos após o fim do regime militar, numa reflexão sobre a herança que o golpe de
1964 deixou para os brasileiros. Os quatro amigos, torturados durante a
ditadura, descobrem que seu carrasco, o homem que matou a namorada de um deles,
ainda está vivo –e decidem partir para um acerto de contas. O lendário pagador
de promessas Leonardo Villar faz o torturador.
7. CABRA CEGA (2005),
Toni Venturi – Em seu melhor longa de ficção, Toni Venturi faz um retrato dos
militantes que viviam confinados à espera do dia em que voltariam à luta
armada. Leonardo Medeiros vive um guerrilheiro ferido, que se esconde no
apartamento de um amigo, e que tem na personagem de Débora Duboc seu único elo
com o mundo externo. Isolado, começa a enxergar inimigos por todos os lados.
Belas interpretações da dupla de protagonistas.
8. O ANO EM QUE MEUS PAIS SAIRAM DE
FÉRIAS (2006), Cao Hamburger – Cao Hamburger,
conhecido por seus trabalhos destinados ao público infantil, usa o olhar de uma
criança como fio condutor para este delicado drama sobre os efeitos da ditadura
dentro das famílias. Estamos no ano do tricampeonato mundial e o protagonista,
um menino de doze anos apaixonado por futebol, é deixado pelos pais, militantes
de esquerda, na casa do avô. Enquanto espera a volta deles, o garoto começa a
perceber o mundo a sua volta.
9. HOJE (2011),
Tata Amaral – Os fantasmas da ditadura protagonizam este filme claustrofóbico
de Tata Amaral. Denise Fraga interpreta uma mulher que acaba de comprar um
apartamento com o dinheiro de uma indenização judicial. Cíclico, o filme revela
aos poucos quem é a protagonista, por que ela recebeu o dinheiro e de onde veio
a misteriosa figura que se esconde entre os cômodos daquele apartamento. Denise
Fraga surpreende num papel dramático.
10. TATUAGEM (2013),
Hilton Lacerda – A estreia do roteirista Hilton Lacerda na direção é um libelo
à liberdade e um manifesto anárquico contra a censura. Protagonizado por um
grupo teatral do Recife, o filme contrapõe militares e artistas em plena
ditadura militar, mas transforma os últimos nos verdadeiros soldados. Os
soldados da mudança. Irandhir Santos, grande, interpreta o líder da trupe. Ele
cai de amores pelo recruta vivido pelo estreante Jesuíta Barbosa, que fica
encantado pelo modo de vida do grupo.
11. BATISMO DE SANGUE (2007)
– Apesar do incômodo didatismo do roteiro, o longa é eficiente em contar a
história dos frades dominicanos que abriram as portas de seu convento para
abrigar o grupo da Aliança Libertadora Nacional (ALN), liderado por Carlos
Marighella. Gerando desconfiança, os frades logo passaram a ser alvo da
polícia, sofrendo torturas físicas e psicológicas que marcaram a política militar.
Bastante cru, o trabalho traz boas atuações do elenco principal e faz um
retrato impiedoso do sofrimento gerado pela ditadura.
Com
Cinema Uol e Literatortura/Pragmatismo Político
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