O
"topia" vem do grego "τόπος" e significa "lugar".
Utopia, não-lugar, lugar que não existe. A utopia é aquilo que não existe, e
não necessariamente aquilo que não pode existir. As conquistas reais da
humanidade foram, cada uma delas, utopias. Cada uma dessas conquistas foi
idealizada antes de ser concretizada, e sendo assim, utopias são ideais,
realidades idealizadas. Essas idealizações podem ser delirantes e impossíveis,
ou podem ser realistas e viáveis. A utopia lúcida e concreta é vivida e
praticada. Trata-se do exercício da transformação da realidade, e como disse
Galeano, uma das condições para se transformar a realidade é conhecê-la. Essa
transformação se dá pela organização da sociedade que é a política: o trabalho
realizado na tensão entre a vontade e as possibilidades. Devemos nos perguntar
o que queremos e, depois, como iremos consegui-lo.
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Arte urbana de Bansky |
Na
minha utopia os direitos humanos são respeitados. Isso quer dizer: para TODOS
os seres humanos. Nela, problemas sociais são resolvidos como problemas
sociais, não como problemas morais. Nela, toda forma de tortura será banida. Na
declaração universal dos direitos humanos consta: Todo indivíduo terá direito à
vida, à liberdade e à segurança pessoal; Ninguém será mantido em escravatura ou
em servidão; Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes. Este é, em suma, a finalidade da utopia que
defendo. Ela tem a felicidade como fim. E este fim tem um meio.
Como
a utopia que defendo pretende ser mais que um devaneio, é preciso garantir
condições em que tais direitos sejam respeitados, e pra isso colocar o cidadão
como sujeito participante das decisões políticas, e não somente uma massa
passiva sem poder real. Por isso esta utopia humanista tem uma forma de
governo: a democracia. A democracia é, por si só, uma utopia. Ela nunca existiu
de verdade (senão como um processo). A palavra democracia, do grego, significa
“poder do povo”. Nela o povo que detém o poder porque é ele quem,
coletivamente, organiza sua forma de viver, sendo autor das leis e do todo o
processo político. Em outra palavras, o poder pertenceria a toda sociedade. As
democracias que tivemos até aqui, no entanto, não fizeram jus, verdadeiramente,
à este conceito, apesar dos avanços que trouxeram. Tanto a democracia grega
quanto a moderna foram formas de dominação de classe, na primeira dos senhores
de escravos, e nesta, da minoria que detém do poder econômico, sendo a
participação do povo reduzida à meras formalidades, sem poder realmente decidir
sobre seu próprio destino e à merce da miséria e de outras formas de violência.
Em suma, da violação de seus direitos básicos.
A
sociedade em que vivemos apresenta desafios para a democracia: enquanto a
legislação garante uma igualdade formal, vivemos num contexto e desigualdade
real: a igualdade de todos perante a lei, por si só, não desfaz as
desigualdades materiais. Portanto esta utopia democrática será impraticável
enquanto reinar a desigualdade. Por que há desigualdade? Em tal sociedade
regida pela racionalidade técnica do mercado o político é dominado pelo
econômico, e a riqueza é distribuída de maneira desigual, gerando concentração
e monopólio, e os direitos são convertidos em mercadorias, acessíveis apenas
àqueles que podem comprá-las. Direitos básicos tais como saúde, moradia e
educação passam a não ser acessíveis a todos, ou são de maneira precária. No capitalismo
estes males são crônicos e sistêmicos, e por isso essa utopia democrática
também uma forma de economia: o socialismo. Você sabe o que é socialismo?
Trata-se da socialização dos meio de produção. Enquanto a propriedade privada
dos meios de produção permite que o trabalho de uns enriqueçam a outros, a
propriedade coletiva dos meio de produção deverá permitir que o lucro seja
distribuído entre os trabalhadores. Isso requer tornar terras, empresas, bancos
e tudo aquilo que gerasse lucro em propriedade coletiva para ser distribuído
para os trabalhadores conforme seu trabalho e sua necessidade.
Mas
o leitor poderá, e com alguma razão, acreditar essa utopia não passa de um
delírio, visto que as experiências socialistas, quando não fracassaram,
desembocaram numa tirania desembestada, não é isso? Bem, evidentemente, como a
utopia que defendo se deseja mais que um delírio, isso também é levado em
consideração. Em primeiro lugar é preciso tomar muito cuidado com as
informações que temos desses países socialistas. Infelizmente, com uma imprensa
que serve à interesses privados, muitas vezes nos dificultam a compreensão do
todo que se passa nesses países, ressaltando os aspectos negativos, omitindo os
positivos ou inventando histórias, mesmo. O processo político de cada um desses
países é particular e muito mais complexo do que a imprensa oficial faz
parecer. Isso não significa que sejam uma maravilha ou mesmo que correspondam à
utopia que defendo, nem que necessariamente levem até ela.
Existem
diferentes movimentos e correntes do socialismo que divergem em diferentes
pontos a respeito de princípios ou estratégias para como se socializar os meios
de produção. Alguns enfatizam que o povo deve se apropriar do Estado; outros
querem aboli-lo de imediato, criando zonas liberadas, autogeridas; alguns
acreditam na revolução armada, outros em reformas graduais, e assim por diante.
Mas como a utopia que eu defendo é mesmo uma utopia, e na prática a teoria é
outra, esta utopia rejeita fórmulas prontas e modelos pré-determinados de ação
ou de sociedade. O caminho se constrói ao caminhar, através da práxis
cotidiana, estratégica, que muda em cada contexto e agrega novos aprendizados.
Por isso cada tentativa, que se deparou com novos e velhos desafios, foram
experiências únicas, que podem ter tido resultados bons e ruins; desde a União
Soviética até os territórios zapatistas em Chiapas. E como tal utopia é mais do
que uma quimera, podemos observar fragmentos reais desta utopia sendo
construídos efetivamente, hoje em dia, inclusive, como na cidade anarquista de
Cristiania, na Dinamarca, que funciona sem o governo de representantes há mais
de 20 anos. Toda a manutenção da cidade é decidido e feito a partir de reunião
entre os moradores. Outro exemplo é a cidade de Marinaleda, na Espanha, cidade
autogerida, verdadeiramente popular, onde a terra é de quem nela trabalha, que
não conhece desemprego, não há polícia e as decisões são coletivas. Estes
exemplos mostram que tal utopia socialista e democrática é possível, restando
para os agentes da transformação o desafio de superar os novos e velhos
desafios.
Mas
é preciso compreender que a utopia que defendo é só uma utopia. Se argumentarem
que este mundo que sonho onde não há violações de direitos humanos não é
possível, porque as sociedades humanas são contraditórias e que sempre haverão
conflitos, eu lhes responderia que isso não me interessa. A utopia é um ideal,
e o real nunca é ideal. Não me interessa se vamos atingir este mundo; me
interessa as possibilidades reis de transformação: a função da utopia é nos dar
uma referência daquilo que queremos, nos orientar, e, baseando-se nela,
poderemos tornar o mundo em que vivemos melhor do que ele já é. Haverão também
aqueles que pensarão se tratar de pura perda de tempo. Esses tem seus próprios
objetivos que dão sentido à vida, seja ascender profissionalmente; seguir uma
vocação religiosa, ser um consumidor exemplar; para outros o que dá sentido à
vida é lutar por um mundo melhor, nem que seja apenas para não ter que ficar
passivo diante de uma realidade excludente e opressora.
Análise
de Lucas Fier, do Esperança Critica
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