Candidatos
e partidos costumam exagerar na previsão de gastos apresentada aos tribunais
eleitorais no começo das campanhas. Neste ano, eles capricharam. Dilma
Rousseff, Aécio Neves, Eduardo Campos e oito presidenciáveis “nanicos” planejam
despesas que superam os 900 milhões de reais, o dobro do orçamento inicial da
eleição de 2010. Quando se somam os dispêndios dos postulantes a governador,
senador e deputado, a disputa pode movimentar perto de 5 bilhões de reais.
Graças à lei, o grosso da conta será pago com dinheiro de empresas. Que, como
se sabe, não fazem doações, mas investimentos na política, à espera de
retribuições.
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Quadro contendo quatro dos 11 candidatos a presidência. Edição: Informações em Foco |
Dona
da mais alta planilha de gastos do País, de 298 milhões de reais, a campanha de
Dilma está pronta para colocar o poder econômico na berlinda. No programa de
governo entregue à Justiça ao lado das estimativas de despesas, o PT propõe um
plebiscito sobre o fim das contribuições empresariais, uma bandeira
presidencial durante as manifestações de junho de 2013. E pelo que se discute
entre seus estrategistas, é provável que no meio da campanha a candidata à
reeleição retome uma ideia ainda mais polêmica, também lançada no auge dos
protestos: a convocação de uma Constituinte exclusiva para a reforma política.
Entre
os dilmistas, há uma torcida pelo sucesso da tentativa de se realizar na
primeira semana de setembro uma consulta popular sobre a proposta de Constituinte.
A ideia da votação surgiu logo após as manifestações. A iniciativa reúne hoje
242 organizações, entre elas o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o
coletivo Fora do Eixo, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e a associação
brasileira de ONGs.
Para
difundir o “plebiscito Constituinte”, os organizadores distribuem panfletos e
promovem atos públicos. Querem mobilizar 10 milhões de brasileiros e arrancar
da maciça maioria um “sim” à Constituinte. Seria uma votação sem valor legal,
mas com potencial político. Com a sucessão presidencial a pleno vapor e a
quatro semanas da eleição, qual candidato teria coragem de desprezar uma
proposta com tamanho apoio popular, caso lhe fosse cobrada uma posição? Dilma
tende a encampá-la e a constranger os rivais a seguirem-na.
Pela
análise das plataformas de governo registradas no Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), é mais fácil esperar um compromisso de Campos do que de Aécio. A
rejeição ao atual sistema político é a essência da chapa do ex-governador
pernambucano e de Marina Silva, que prevê gastar 150 milhões de reais. O
programa do PSB prega, por exemplo, o uso mais frequente de plebiscitos e a
revisão da “legislação de financiamento eleitoral para baratear as campanhas e
diminuir a influência do poder econômico”. O documento tucano, por sua vez, faz
uma única menção à reforma política, defendida “com o propósito de tornar mais
confiável e transparente a atuação política”. Aécio calcula despesas de 290 milhões
de reais.
O
PSDB integrou o bloco partidário formado no Congresso, em 2013, que barrou a
reforma política via plebiscito e Constituinte, propostas lançadas por Dilma em
cadeia de tevê e rádio. A resistência uniu siglas da oposição a legendas
aliadas do Palácio do Planalto, inclusive setores do PT, união azeitada pelo
instinto de sobrevivência em terreno conhecido. Contra o plebiscito e a
Constituinte, alegou-se o atropelo às funções do Congresso, um arroubo
autoritário. Certa de que não dá para contar com o Legislativo, a cúpula do PT
aposta na pressão das ruas para alterar as regras do jogo.
Na
visão de líderes e estrategistas do partido, sem mudar o sistema, é complicado
para o governo petista – mesmo se reeleito – proporcionar avanços econômicos e
sociais na magnitude do que acreditam ter sido feito desde 2003. Com um
Congresso dominado pelo poder econômico, não dá para acelerar a reforma
agrária, taxar grandes fortunas ou providenciar verba extra à Saúde via nova
tributação. Em um vídeo divulgado recentemente na internet em favor da reforma
política, o ex-presidente Lula foi explícito: “Para o Brasil continuar mudando,
é preciso garantir a legitimidade das instituições e acabar com a interferência
do poder econômico nas eleições”.
A
exagerada interferência da grana gera uma classe política que não reflete o
conjunto da sociedade, especialmente nos legislativos. Das 594 cadeiras do
Congresso, 273 são ocupadas por empresários e 160 por fazendeiros, conforme o
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o Diap. Seriam 72% dos
brasileiros donos de empresas ou de terras? Apenas 73 congressistas são ligados
a sindicatos. Não consta que a classe trabalhadora no País esteja restrita a
13% da população.
Nas
pesquisas acadêmicas feitas no País desde a década passada, há uma conclusão
praticamente unânime de que o financiamento patronal possui inegável impacto.
Estudioso do tema, o cientista político Wagner Mancuso, da Universidade de São
Paulo, garante: candidato com caixa fornido é favorito e, uma vez eleito,
estabelece uma relação com o financiador baseada no compadrio (ele ajuda o
patrocinador a arrumar empréstimo em bancos oficiais, contratos com órgãos
estatais e benefícios tributários, entre outras vantagens).
A
doação empresarial motivada por expectativa de retorno dificulta o arejamento
do universo político e empurra os partidos para o governismo, mesmo aqueles sem
afinidade ideológica com o Planalto. Os financiadores, diz Mancuso, optam por
contribuir com candidatos que possuam mandato e sejam governistas, pois um
perfil assim teria chance de mostrar “serviço”, ou seja, retorno. Na eleição de
quatro anos atrás, 4.369 candidatos disputaram uma vaga a deputado federal. Só
10% eram parlamentares em busca de novo mandato. Dos 430 postulantes que mais
receberam doações, 53% eram, no entanto, deputados em busca da reeleição.
A
concentração financeira é um fenômeno também entre os patrocinadores, segundo
Mancuso. Na eleição passada, a Justiça Eleitoral registrou donativos feitos por
19 mil empresas. Metade do dinheiro saiu, porém, do cofre de apenas 70
companhias. Mais: um terço partiu de somente 15. Neste clube capaz de decidir
quem tem chance de se eleger, há seis empreiteiras (Camargo Corrêa, Queiroz
Galvão, Andrade Gutierrez, OAS, Galvão Engenharia e UTC Engenharia), três
bancos (Itaú, Bradesco e BMG), duas siderúrgicas (CSN e Gerdau), uma mineradora
(Vale), um frigorífico (Friboi), uma telefônica (Oi, via controlada Contax) e
uma fabricante de bebidas (Petrópolis).
Apesar
de valiosa para o eleitor na hora de votar, a informação sobre contribuições de
campanha é nebulosa. Pela lei, os candidatos devem entregar à Justiça duas
prestações de contas na campanha, em agosto e setembro. O nome dos
financiadores, contudo, só é exigido na prestação final, um mês após a votação.
Além disso, tornou-se frequente a “doação oculta”, que esconde o patrocinador.
Em vez de os recursos irem direto para o candidato, são enviadas ao partido ou
ao comitê de campanha, e esses fazem o repasse. Para tentar coibir a prática, o
TSE decidiu que neste ano todo repasse financeiro de partido ou comitê para
candidato precisará indicar o CNPJ do doador original.
A
proibição das doações empresariais teria como provável efeito a adoção do
financiamento de campanhas com verba pública. Em um País com alta rejeição à
política, parece difícil que o eleitor aceite gastos de 5 bilhões de reais
bancados com o “seu, o meu, o nosso dinheiro”. É preciso não somente convencer
a sociedade de que vale a pena investir na democracia, como repensar o formato
das campanhas. “Elas são cada vez mais caras,
porque se transformaram em fenômenos midiáticos, não se discute projeto. E não
é um problema apenas do Brasil. Quem estuda democracia no mundo não está
otimista”, diz Mancuso. Ou seja, seria preciso trocar o marketing pela
política.
Publicado
Originalmente no Carta Capital
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