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A
Profa. Ana Maria Netto Machado, no texto publicado na obra A bússola do escrever: desafios na orientação de teses e dissertações,
organizada por ela e o Prof. Lucídio Bianchetti, afirma:
“A observação prática nos mestrados
demonstra, de uma maneira inquestionável, que 15 ou mais anos de língua
português não desenvolveram, na grande maioria dos adultos, qualquer intimidade
com a sua própria escrita, de modo que eles não conseguem escrever com
facilidade, nem razoavelmente, nem corretamente, nem sem sofrimento. Isto é
válido para autores ávidos, oradores eloqüentes e bem-sucedidos, cuja cultura
não lhes garante a habilidade para escrever. É fácil constatar essas teses no
meio acadêmico entre bons professores”.[1]
Ela
conclui que, “salvo raras exceções, podemos insistir, sem equivoco, que 15 anos
de língua portuguesa não habilitam para escrever”.[2]
Embora
a obra referida tenha sido publicada há 10 anos, o diagnóstico é, no mínimo,
preocupante. Será que o quadro geral mudou? Não tenho condições de aferição
plena, pois não participo da pós-graduação, mas me parece que a percepção da
professora permanece válida. A minha experiência em participação em bancas,
enquanto leitor dos trabalhos acadêmicos na graduação e como editor e consultor
dos artigos ditos científicos confirma-o. Não é meu intuito desvalorizar nenhum
autor, graduando ou pós-graduando, mas apenas constatar um fato que corrobora
as palavras da professora.
Espera-se
dos pós-graduandos que concluam seus trabalhos e defendam suas teses e
dissertações, especialmente se recebem bolsas. São recursos da sociedade e,
portanto, há imperativo ético. A responsabilidade social do pós-graduando é
imensa e não diz respeito apenas ao orientador, programa e instituição.
Nem
sempre a defesa e o título conquistado têm relação estreita com o domínio da
escrita e o escrever bem. Aliás, a experiência editorial, especialmente na
Revista Urutágua, demonstra que não existe relação de causalidade entre titulação
e capacidade de escrever. Já li textos de graduandos melhores escritos do que
outros cujos autores são pós-graduandos, mestres e até mesmos doutores.
Se
o pós-graduando enfrenta dificuldades para escrever sua dissertação ou tese,
por que exigir que escreva artigos para periódicos? Ora, sejamos sensatos, nem
todos temos inspiração ou competência inerentes ao bom escritor. Escrever é
algo mais do que juntar palavras, organizar citações, apresentar tabelas e
quadros que possam impressionar. A escrita por obrigatoriedade produz
resultados desanimadores e, muito vezes, o auto-engano. A vaidade é também uma
forma de ilusão! No mercado dos bens simbólicos, a publicação de um artigo não
oferece certificado de boa escrita, mas apenas a constatação de que se cumpriu
a demanda produtivista. Se o pós-graduando se vê pressionado a publicar, por
que não antecipar a publicação da dissertação em forma de artigos? Como pode o
mestrando/doutorando se dedicar ao seu trabalho final se tem que publicar
agora? É preciso muita capacidade para se desdobrar…
Para
muitos escrever é quase como uma tortura – não é por acaso que pós-graduandos
entram em crise psíquica e, muitas vezes, comprometem a saúde física e as
relações pessoais. Deveria ser suficiente esperar que concluam o trabalho de
pós-graduação. Há as exceções, os que não têm problemas em produzir, ou seja,
lidam com a escrita de forma tranqüila – e há também os competidores
compulsivos, os quais se alimentam psiquicamente da pressão produtivista. Não
obstante, para além das exigências formais e éticas, é mais sensato aceitar o
fato de que nem todos gostamos de escrever, que não temos o mesmo domínio da
escrita e aptidão. Não é melhor resguardar o direito de quem não quer publicar
ou escrever de acordo com a capacidade e condições?
Por
que e prá quê publicar? Por que obrigar o pós-graduando a isto? Não é
suficiente que conclua a pós-graduação da melhor forma possível? Que ele
publique, mas se for capaz e desejar. Da mesma forma, por que exigir do seu
orientador a publicação de artigos? Também ele não tem o direito de ser
“improdutivo”? As exigências produtivistas nos cegam diante de um simples fato:
escrever não é fácil e nem está automaticamente vinculado à titulação. Publicar
e escrever bem não são sinônimos. Escrever deveria ser um exercício prazeroso e
não um tormento!
[1]
MACHADO, Ana Maria Netto. A relação entre autoria e a orientação no processo de
elaboração de teses e dissertações. In: BIANCHETTI, Lucídio e MACHADO, Ana
Maria Netto (orgs.) (2002) A bússola do escrever: desafios na orientação de
teses e dissertações. Florianópolis: Editora da UFSC; São Paulo: Cortez
Editora, p.52
[2]
Id., p. 53.
Créditos: Blog do Ozai
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